Apresentação de O Anjo e o Inquisidor

O Anjo e o Inquisidor de Pedro L. Torres

Apresentação
Salvador da Bahia, Século XVI. Por decreto real é enviada uma nau com uma comitiva inquisitorial a fim de castigar a prática pecaminosa de «judiarias» e de ofensas à moral católica através dos métodos temíveis e das operações de cruel perseguição do célebre tribunal da Santa Madre Igreja. O reino de Portugal é imenso – e essa imensidão terá de ser abraçada pela fé católica. Nessa nau segue não só o inquisidor com os seus ajudantes e o Cristo de prata, como também aventureiros, expatriados, presos, escravos, renegados... e um grupo de doze órfãs, sendo que uma delas irá ao encontro dos tios, donos de uma plantação de açúcar.

Há lendas e rituais de feitiçaria, festas coloridas exaltadas pelos ritmos tribais, mulheres que se ocultam nas noites tropicais, homens que descobrem os perigos do amor, paisagens preenchidas de histórias vívidas e mistérios indizíveis com anjos lascivos e a tentação de pecados inomináveis. Entre a severidade religiosa e o alegre paganismo dos indígenas, a descoberta de um novo mundo e os truques do destino, O Anjo e o Inquisidor é um relato impressionante sobre um dos episódios mais negros da história colonial de Portugal e Brasil, com uma toada poética e uma consciência histórica digna de nota.

Um tribunal num Paraíso 
Há poucos romances que abordem a Inquisição e os seus ofícios, artifícios e malefícios – na verdade, quando falamos de romances históricos, pensamos nas maravilhas dos Descobrimentos e das exóticas paisagens liricamente descritas, dos reinados cheios de intrigas e traições, de uma história de amor proibido, de batalhas sangrentas conduzidas por heróis intrépidos... mas da Igreja e das suas estratégias políticas e religiosas de «domesticação» de fé e convicções pouco se fala. Pedro L. Torres agarra o tema das operações e métodos da Inquisição e trabalha- o dentro do contexto do estabelecimento da Inquisição nas terras de Vera Cruz, terras essas que, tão distantes da metrópole e dos olhares dos cardeais e arquiduques severos e averiguadores do mal em cada alma perdida, vivem ainda no «pecado». Em plena dinastia filipina, o rei Filipe II pouco sabe e pouco vê, mas aconselhado e orientado por reais e leais conselheiros e cardeais, empreende uma campanha de re-educação evangélica no sentido de revogar o pecado e as ameaçadoras «judiarias», instituindo as boas práticas conforme a Santa Madre Igreja.

Todos são convidados para esta viagem inaudita
Uma comitiva inquisitorial segue rumo para o Brasil, mais precisamente para Salvador da Bahia. Nele seguem todos os indesejados ao reino, juntamente com aventureiros, políticos, padrecos, pobres de pé descalço e um grupo de órfãs. O enredo passa-se entre Lisboa, Salvador da Bahia e Jaguaripe, e desenrola-se imbuído de um espírito duplo: entre o tédio e os aborrecimentos vividos pelo tribunal inquisitorial e a melodia tropical das histórias nas terras solares do Brasil, o autor soube adaptar-se a ambas as linguagens e cenários com fluidez e intenso lirismo.

A exuberância tropical é um pecado para os sentidos 
Grandemente visual nas paisagens, às personagens é atribuído uma autenticidade vibrante, nas quais os seus pensamentos e sonhos têm associada uma leve veia de surrealismo e fantasia. Mas é de romance histórico que falamos, e se bem que o leitor é presenteado com as idiossincrasias de personagens carismáticas e amplamente desenvolvidas, com os episódios de magia e bruxaria indígena, com as festas e procissões que piscam o olho à tropicalidade e à religiosidade viva e alegre, com ardentes olhares de paixão e dolorosas histórias de amor, é também convidado a entrar no negro reino da Inquisição, dos julgamentos vis, das fogueiras temerárias e de um Deus vingativo e perseguidor. São cruéis (e inspirados em factos reais) os relatos que salteiam entre cada capítulo – confissões que aos olhos de hoje pareceriam descabidas, mas que constituíam pecados insuportáveis na época. Pecados que nem faríamos ideia que o fossem.

Um anjo demasiado real 
No meio de tudo isto, surge, porém, uma moça nos seus dezassete anos, de belos cabelos loiros e de uma inocência pungente mas perigosamente lasciva, que chega ao Brasil órfã para residir com os tios, portugueses afortunados com plantações de açúcar. Todos os olhares incidem sobre a sobrinha do doutor que, desconhecedora dos perigos à espreita numa terra estranha, cedo se apercebe das suas armas infalíveis para conseguir cumprir o que pretende. Será ela o anjo – companhia da tia que a adora, estimada aluna do tio, curiosa menina ainda não bem adulta, mas sagaz? As histórias cruzam-se e complementam-se, e são mais as personagens que fogem da Inquisição do que as que seguem ao seu encontro – mas é nestes encontros e desencontros que nos aventuramos numa narrativa vibrante, divertidíssima, intensamente lírica e dentro das ideologias e consciências daquele tempo.

Publicado em 9 Junho 2015

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