Aristides de Sousa Mendes - Memórias de Um Neto - Entrevista no Sapo24

Atirado para o esquecimento, o cônsul de Bordéus foi banido da memória de Portugal pelo regime do Estado Novo. 75 anos depois, a humanidade reclama o seu nome e inscreve-o na Memória do Mundo (UNESCO). Falámos com o neto do homem que, desobedecendo a Salazar, salvou 30 mil vidas - sem conseguir salvar a sua.
 

Pelo pai, fugiu à guerra. À Guerra Colonial, nos anos 1960. Refugiou-se na Bélgica, depois Canadá, cuja nacionalidade faz parelha com a portuguesa. Portuguesa que lhe foi assinada pelo avô. Foi mais uma assinatura, já em 1949, de um homem cuja rubrica está a caminho de se sagrar Memória do Mundo. Aristides de Sousa Mendes, assim se chama o avô paterno de António. “Sou português, como sempre, e canadiano”, conta.

Encontramo-nos no metro, na estação do Parque, em Lisboa. António está junto de um pilar; dentro dele há uma medalha, em bronze. Mostra uma figura rodeada de nada. António vai explicando a um homem que passa, que medalha é aquela. “É o meu avô”, diz-lhe.

Seguimos depois pela António Augusto Aguiar, no fundo da qual entramos num restaurante desses que habitam as covas de Lisboa. “Toma um café?”, oferece o autor do livro Aristides de Sousa Mendes - Memórias de Um Neto, recentemente editado pela Desassossego.

De um saco de pano que traz na mão, junto com a pasta de cabedal castanho, descerra uma enorme fotografia, feita em Quioto, Japão, há coisa de cem anos. Nela, quatro figuras: nas pontas, dois homens fardados, de ar nipónico. Ao centro, de cara latina, uma mulher e ao lado um homem. O homem que casa é César de Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides.

 

Fotografia de César e Maria Luísa de Sousa Mendes com o imperador do Japão. créditos: Pedro Soares Botelho | MadreMedia

 

Um dos fardados é Hirohito [à direita na foto]. Foi entronizado imperador do Japão em 1926. Na imagem tinha 16 anos apenas. Hirohito, quando viu o César e a Maria Luísa na festa de entronização, simpatizou muito com eles.

“Trouxe isto porque o mundo é pequeno e dá muitas voltas”, começa por contar. “Ouviu falar de um japonês que salvou também pessoas durante a guerra? Foi no mesmo ano que Aristides. Um japonês, chamado Sugihara”, apresenta António Moncada S. Mendes, um dos 39 netos do cônsul de Bordéus.

O diplomata japonês surge pelas coincidências, pelo acaso. E pelo Facebook. “Sempre ouvi falar no Sugihara com uma especial atenção por causa de o gémeo [César] ter tido uma ligação ao Japão, como está aí na fotografia. Também porque essa ligação ao Japão tem uma consequência um pouco emocional, porque lá nasceu a minha mãe, em 1915. Sempre houve uma ligação através de fotografias e livros e gravuras do Japão. A minha mãe até aos quatro anos viveu no Japão”, enquadra António, que em 2000 fundou com o primo Álvaro Alpoim de Sousa Mendes a fundação dedicada ao avô de ambos, Aristides de Sousa Mendes.

“O meu avô começou logo a desobedecer e a passar vistos em 1939, logo em setembro de 1939, mas não era a uma grande escala, porque a França só foi ocupada em junho de 1940. Foi aí que se tornou absolutamente dramático — e aí foi em massa”, diz. Avô que é o visado na obra. “Este livro é dedicado essencialmente ao Aristides”, mas mais que saber quem foi o homem, é preciso saber de onde veio. E para isso, sempre há o contexto que nos leva ao entendimento do que vemos.

E para esse contexto, são precisas perguntas. É nesse café lisboeta que falamos sobre quem foi, sobre quem é Aristides. Da família (e do irmão gémeo) às memórias: de um neto, de um país e de um planeta. Sendo que o ponto de partida foi Chiune Sugihara.

Onde entra o japonês?

Fui contactado aqui há duas semanas e quarta-feira vou a Bruxelas para falar deste livro. Hoje em dia com a internet, com o Facebook sabe-se tudo. Há um Sugihara, que penso que é neto do cônsul japonês, que se pôs em contacto comigo através do Facebook e disse que me queria ver. Mas só lá vou estar três dias. Ele disse que vai apanhar o avião para a Bélgica e propôs ir buscar-me ao aeroporto de Bruxelas. Portanto, há um senhor japonês que não conheço, nunca o vi, que me vai buscar ao aeroporto. Posso através da imagem que tenho no Facebook reconhecê-lo, e ele também.

Vai ser um encontro histórico, porque são dois netos, de dois diplomatas Justos Entre as Nações. Tenho o livro dele há 21 anos e já tinha outros, mas ele não sabe que o tenho por isso vou levar-lho para que me deixe um dedicatória qualquer e depois vamos falar — vamos estabelecer uma amizade, certamente. Vou convidá-lo a vir a Portugal quando quiser.

 

Publicado em 30 Novembro 2017

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