Bernard Cornwell - Artigo no Expresso

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A História nem sempre tem tratado devidamente o romance histórico; ora menosprezando-o, ora entregando-o a narrativas fúteis que visam mais o folhetim romanesco do que preocupações sérias de contextualização ou descrição de factos. Mas há felizmente autores que contrariam a mediocridade abundante e que conseguem aliar o qb da credibilidade ao QI da criação. O desta semana é britânico, mas foi no país de Trump que descobriu a história. Quando Trump não fazia parte dela, claro aos 74 anos de idade, cumpridos no passado dia 23 de fevereiro, Bernard Cornwell tem razões para sorrir. Pese embora não consiga perdoar-lhe a mudança da sua Londres natal – sofisticada, cosmopolita, culta – para o mais rústico Massachusetts, não consigo deixar de admirar a vasta obra que regularmente vem produzindo no domínio da ficção histórica. Com mais de 40 obras publicadas e traduzidas em dezena e meia de línguas, o recetor da Ordem do Império Britânico por ocasião dos 80 anos da Rainha Isabel II pode dar-se por satisfeito por agradar a milhões de leitores e por ter visto dois dos seus trabalhos serem adaptados, com assinalável sucesso, para televisão.

Conhecido e reconhecido pelas aventuras de Richard Sharpe – o herói britânico das Guerras Napoleónicas –, Bernard Cornwell rapidamente se aventurou em múltiplos romances que têm a História como pano de fundo e a arte narrativa como fundo de um pano que sabe bordar como poucos. Muitos foram os que leram os mais de vinte títulos que levam como personagem aquele que na televisão teve o privilégio de ser interpretado por... Sean Bean – esse mesmo, o patriarca Stark de “A Guerra dos Tronos”.

 

d.r.

Entre 1993 e 1997 a ITV brindou as suas audiências com as peripécias saídas da obra de Cornwell e transpostas com êxito para o ecrã doméstico. Entre outras curiosidades, a série foi filmada em diversos locais, entre os quais o nosso; Portugal e Espanha foram palco de algumas filmagens, sendo que a maioria teve lugar na Crimeia e na Turquia. Independentemente da geografia, o que importa aqui salientar é a qualidade da produção britânica e o talento de contador de histórias evidenciado pelo autor. Os romances do bravo soldado Sharpe leem-se de um fôlego e sem grande esforço, ao mesmo tempo que dão a conhecer, sem hermética presunção académica, um dos períodos mais interessantes da História política e militar da humanidade.

Para os que gostam – e são, misteriosamente, muitos – de ver o nome de Portugal na literatura estrangeira, a boa notícia é que a pátria nossa surge em vários romances da série “Sharpe”: Porto, Almeida ou a Batalha do Buçaco são alguns exemplos onde o cenário lusitano emerge, normalmente associado a vitórias aliadas (luso-britânicas) sobre o exército francês.

Batalhas, mistério, espionagem, traições e romance compõem as histórias que acompanham a evolução pessoal e militar da personagem, bem como os eventos internos e externos que contribuem para lhe dar forma, estrutura e credibilidade. É, se quisermos, uma fórmula antiga numa escrita “à antiga”, sendo que aqui o adjetivo serve para valorizar e não para menosprezar a prosa do senhor Cornwell, a mesma que fez surgir a personagem no início dos anos 80 do século XX e que conseguiu perpetuá lo até 2007...

Já em 2015 surgiu, sob chancela da BBC, a série “The Last Kingdom”. Oito episódios chegaram para seduzir o público britânico e norte-americano, pelo que, sempre atenta ao “trending” das audiências, a Netflix se mostrou e se chegou à frente para produzir, em 2017, nova série de oito episódios inspirados nas “The Saxon Stories” de Bernard Cornwell – uma dezena de títulos editados entre 2004 e 2016, prova inequívoca da capacidade de escrita deste londrino mudado para os States por força do casamento com uma nativa norte-americana.

Por razões que a própria razão desconhece, a ficção histórica vai conquistando adeptos em Portugal, pelo menos a julgar pela profusa e difusa oferta do género na imensa montra de escaparates. Pena é que, boa parte das propostas se centrem em intrigas palacianas (ou mexericos palacianos), histórias de amor, curiosidades de resposta duvidosa, imprecisões factuais, divagações sem nexo e narrativas pouco ou nada estimulantes.

Creio por isso que a leitura de Bernard Cornwell, entre nós divulgada pela Saída de Emergência, me parece ser digna de atenção para o leitor que seja um jovem adulto até ao leitor que é um adulto que já foi jovem. Entretenimento, ação, romantismo e empolgantes descrições da vida pública e militar do século XIX são motivos de sobra a justificar um olhar sobre a figura de Sharpe, seja ele impresso ou televisionado, tendo sempre em conta a figura do cavalheiro que lhe deu voz e das múltiplas vozes que deu a conhecer: Bernard Cornwell. E para os mais interessados ou curiosos sugiro vivamente uma espreitadela à página do autor, não no Facebook mas no agradável sítio que construiu na net. Sugere-me, curiosamente, o título de um filme... histórico: “A Man for all Seasons”.

Publicado em 9 Abril 2018

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