Books can Kill you! (e tenha cuidado com os escritores) - João Cerqueira

Books can kill you!

(e tenha cuidado com os escritores)

 

É comum dizer-se que os livros nos podem salvar. Muita gente di-lo: este livro salvou-me a vida! Permitam-me discordar. Não foi o livro, o filme, a música ou a peça de teatro – a arte não costuma ser invocada como salva-vidas – mas, sim o próprio autor da afirmação que se salvou a si mesmo. Tal como alguém que nos dá um bom conselho não é o principal responsável pelo sucesso ou fracasso da nossa futura acção, apenas nos mostra o caminho a percorrer, os livros, alguns livros, tão só desempenham essa função – o que já não é pouco.

Outras pessoas e certos animais, bóias, coletes e pára-quedas, podem salvar-nos, mas não os livros. Eles não se atiram à água para impedir que nos afoguemos, entram num prédio em chamas para nos resgatar do fogo ou fazem uma operação cirúrgica para nos salvar de uma doença. Experimente saltar de um avião com Dom Quixote na mão – encontra Cervantes dentro de alguns minutos. Não se pode exigir tanto de um livro. Na verdade, somos nós que os salvamos, que os temos salvado ao longo dos séculos.

Todavia, os livros podem matar-nos. Sim! Ou melhor, os livros podem desencadear um processo no qual funcionam como o catalisador de uma reacção cujo final será a morte do autor ou do leitor. Pelo afogamento, pelo fogo, e, mais recentemente, através de armas de fogo ou objectos cortantes, os livros foram responsáveis pela morte de muitos seres humanos.

Poderá argumentar-se que, uma vez mais, a responsabilidade não é deles uma vez que são outras pessoas quem matou, ou pretende matar, o autor, o tradutor ou o leitor do livro maldito. Talvez seja. Mas isso não impede que continuem a ser objectos muito perigosos.

O Index Librorum Prohibitorum foi a primeira lista de livros proibidos – pela Igreja Católica - cuja leitura ou posse podia ser punida com a morte. Cientistas como Galileu, Bruno, Copérnico, ou pensadores, como Erasmo, Espinosa, Maquiavel, Locke, foram colocados na lista.

Pelas suas descobertas e pelos seus livros blasfemos, Giordano Bruno – que afirmava que o universo era infinito - foi condenado à fogueira. Melhor sorte teve Galileu, embora tivesse de renegar o seu livro Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo, onde defendia que a Terra girava à volta do Sol.

Nessa altura, até a própria Bíblia, se traduzida do latim ou do grego, se tornava um livro perigoso. Por a ter traduzido para inglês, William Tyndale – cena retratada em Wolf Hall de Hillary Mantel – foi queimado vivo no século XVI por instigação de Thomas More – outro que também tinha a mania de escrever livros.

Nos dias hoje, Salman Rushdie, autor de Os Versículos Satânicos, é tido como a maior vítima dos livros. Mesmo sem o ler, o Ayatollah Khomeini considerou que o livro ofendia a sua religião e decertou uma Fatwa onde Rushdie era condenado à morte por blasfémia. Porém, a execução não se efectuou, e embora o escritor talvez nunca venha a sentir-se totalmente seguro em lado nenhum, continua vivo. Ao contrário do tradutor japonês Hitoshi Igarashique foi assassinado, sofrendo também ataques o tradutor italiano e o editor norueguês.

Por isso, caro leitor, desconfie sempre dos livros e também dos escritores – esses tipos que se julgam muito espertos. Podem trazer-lhe muitos problemas. Como se pode confiar em quem está sempre a inventar histórias e coisas que nunca existiram? Como se pode ser amigo de alguém que pode servir-se da nossa desgraça ou inspirar-se nos nossos defeitos para criar um personagem miserável? Veja-se o caso de Proust que ridicularizou toda a gente das suas relações em Em Busca do Tempo Perdido ou de Dostoyevsky que esteve preso, e só depois escreveu os melhores livros.

E quem pode garantir que quando o escritor mata os seus personagens não está a revelar um desejo secreto? Se – afirmam alguns historiadores da arte – as gravuras de Picasso em que Minotauros violam mulheres representam os desejos inconscientes do pintor espanhol, por que não sucederá o mesmo nos livros onde morrem ou sofrem atrocidades certos personagens?

Porém, o meu romance A Tragédia de Fidel Castro não deverá matar ninguém – embora não aconselhe que o levem para Cuba, por enquanto – e só morre um personagem que já há muito não está vivo. Eis portanto um dos poucos livros que pode ler com segurança – desde que não se aproxime do seu autor.

Publicado em 18 Março 2013

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