Carol Rossetti em entrevista para o Ardinas

Carol Rossetti: “Dizem que as mulheres são loucas, não é? Elas perceberam que não são”



Vive em Belo Horizonte e aos quatro anos descobriu a paixão pelo desenho. Uma caixa de lápis de cor e um papel em branco fizeram nascer nela o desejo de fazer da ilustração a sua vida. Carol formou-se em design gráfico, em 2011. Hoje, concilia os trabalhos da sua autoria com o estúdio e design Café com Chocolate Design e o ZiNas. Assume-se feminista mas também considera que feminismo não é o melhor nome para defender o movimento.

No Hotel Vincci, Carol falou do novo trabalho, o livro Mulheres, onde, através de ilustrações, aborda temas muito sensíveis, como a violação, a violência, a homossexualidade e muitos outros. Todos os desenhos representam um tema e uma mulher.

ARDINAS: O dia da mulher ainda é visto como uma festividade e não como um dia de luta das mulheres?

CAROL: O dia da mulher tem um propósito muito interessante e eu acho que ele tem potencial se for muito bem aproveitado. Se estamos falando de una reflexão a lembrar as conquistas que já fizemos e dos pontos que ainda precisamos de mudar. Eu acho que isso seria importante. Queria ver isso ser trabalhado nas escolas, pelos media, em eventos, etc. Mas a partir do momento que trabalhamos a data de uma forma comercial perde o seu valor.

O seu livro, Mulheres, saiu em Agosto no Brasil e agora saiu aqui em Portugal, no mês em que se lembra a mulher e o que ainda tem de ser conquistado. O livro aborda temas polémicos, em especial o tema da violação. Já lidou com algum caso destes de perto?

Todas as ilustrações têm uma pesquisa por detrás. Para cada situação ou eu conversei com pessoas, amigas ou parentes que diziam que passaram ou vivem essa situação diariamente ou eu explorava na internet, procurava relatos, pessoas que me mandaram as suas próprias experiências e a partir disso eu consegui construir um texto, algumas vezes muito desafiador. Em especial na última parte que eu trato dessa questão de violência, de traumas, de abusos, que eram textos mais delicados. Ao mesmo tempo que eu queria que eles fossem curtos, simples e afetuosos, eles não poderiam ser desrespeitosos. Por isso, cada palavra foi muito bem pensada para estar ali.

"Ana foi violada.

Ana, não estás sozinha. A CULPA NÃO É TUA. Essa experiência não é o que te define enquanto ser humano. ÉS MUITO MAIS QUE ISSO!”


Em Portugal, existe um projeto, “Um passo mais”, que começou no Porto, e há um outro, “Numa relação bater, só o coração”, que estão a ser desenvolvidos para combater a violência doméstica, que é um tema que também aborda neste livro. No Brasil também existe essa preocupação com estas problemáticas?

Sim, com certeza. No Brasil, a questão é muito, muito grave e existem varias iniciativas para combater isso. Existe a lei Maria da Penha, que é de 2006, que serve para proteger as mulheres da violência doméstica, seja essa violência feita por um marido, um irmão, um pai, um patrão. É uma lei fantástica; foi um avanço incrível mas ela ainda é relativamente pouco conhecida, inclusivamente eu recentemente ilustrei uma cartilha que pretende promover o enfrentamento das mulheres. Explica um pouco essa lei, fala mais sobre isso e ensina as mulheres sobre o que é a violência. Algumas chegam no posto de atendimento e falam: “-ele foi muito rude, não sei o que aconteceu. – Ele te bateu?” e elas respondem que não mas conversando um pouco mais ela conta que ele não bateu mas empurrou muito forte. Ela não tinha considerado isso violência física. Existe um trabalho de conscientização das múltiplas formas de violência e de como devem enfrentar isso.

Acha que tiveram alguns efeitos as iniciativas?

Surtiram alguns, mas mais a nível individual. Individualmente, já mudou a vida de várias mulheres, mas pensando numa mudança mais profunda na sociedade como um todo ainda não surtiram.

Este livro, chegando a algumas dessas mulheres, pode ser um incentivo a elas deixarem de se esconder e ganharem consciência – as que não têm – do que vivem?

Eu acho que estas ilustrações alcançaram de uma forma que eu não previa. Algumas ilustrações, como a da Márcia, quando as coloquei na Internet, especialmente no facebook, alguém chegou e comentou “essa sou eu”; “isso aconteceu comigo também” e aí contou exatamente a sua história. Eu acho que as mulheres encontraram ali força porque elas perceberam que não eram as únicas sofrendo daquele tipo de situação e se incomodando com aquilo. Dizem muito que as mulheres são loucas, não é? Quando elas te incomodam com alguma coisa, falam que elas são loucas. Mas não. Elas perceberam que não o são.



Também aborda assuntos como a dança do varão e de uma mãe que é stripper e não é exemplo para o filho. A questão da profissionalização da prostituição ainda é muito polémica.

Cá já é legalizada a prostituição?

Não e ainda não se debate isso.

No Brasil, ela nunca foi legal. Ela é legalizada mas ela não é regulamentada, de forma que as prostitutas não são presas, mas, por não ser regulamentada, existem várias formas de exploração,  de violência, onde elas não se conseguem proteger. Existe uma luta para trabalhar a regulamentação.

Existem mulheres que olham para a prostituição de lado.

Isso acontece porque as pessoas têm medo do lado cruel que teria a exploração sexual, mas é como uma ativista prostituta, no Brasil, disse uma vez: “se acabasse a prostituição, não acaba a exploração sexual, não acaba o abuso”. A causa não é a prostituição. Se uma mulher quer explorar o corpo dessa maneira, é com ela. E isso é diferente da exploração, da mulher ser obrigada.



A Carol assume-se feminista e tem dito que o feminismo é um conceito demasiado lato e que não tem sido explicado da melhor maneira. Olha-se para o feminismo como o direito das mulheres.

Sim.

Isso acontece porque, maioritariamente,  são mulheres que dão a cara pelo movimento e porque se fala muito no feminismo da mulher?

Sim.

Falar-se muito na mulher é porque hoje ainda é preciso falar-se muito dos direitos das mulheres e do que ainda não foi alcançado? O próprio nome “feminismo” não confunde os propósitos do movimento?

O machismo afeta mulheres e homens, mas afeta mais as mulheres de uma forma mais cruel.  E é natural que a gente lute para que se chegue à igualdade. A luta tem de ser inclusiva, envolvendo todos os géneros, envolver as múltiplas formas de opressão, do racismo, da transfobia, da bissexualidade e da homossexualidade. Tem de trazer visibilidade a todos esses assuntos.

Em Portugal, temos um Presidente. Tivemos duas mulheres na corrida e uma delas, Marisa Matias, obteve um resultado surpreendente. No Brasil, Dilma Rousseff assumiu a presidência do país. Isso reflete uma transformação física da luta das mulheres?

De certa forma, sim. Eu acho que é um símbolo muito importante, mas se olharmos para o Congresso no Brasil menos de dez por cento é composto por mulheres. A minha cidade nunca teve uma perfeita. Nós temos uma presidente mulher, sim, mas 99% dos políticos são homens. Ainda agora está a ser criado o Partido da Mulher, que é composto na maioria por homens. A percentagem das mulheres no partido é de 10%. É um partido super conservador. Não percebo qual é a dele. Mas temos alguns símbolos importantes no Brasil. Ter uma mulher presidente é importante para as mulheres verem que elas podem ser presidentes. Assim como o Lula: temos um trabalhador analfabeto chega a ser Presidente e isso é muito importante.

Dilma tem sofrido muito com a sua governação e com a crise que o Brasil está a viver.

Dilma sofre muito como machismo. Toma decisões certas e outras erradas e depois todo o género paga. Não concordo com muita coisa do governo dela, mas eu vejo que ela já foi muito atacada por ser mulher e de formas desonestas. Isso continua existindo mesmo tendo uma mulher presidente.

Se tivesse de ilustrar a Dilma, que ilustração faria?

Não faço ideia. (Risos)

Se lhe pudesse mandar uma mensagem, que lhe diria?

Gostava que a julgassem pelas suas políticas e não pela roupa que ela usa, pela dieta que ela fez, pelo penteado dela.

No livro aborda também o tema da burca. Fora dos países onde ela é obrigatória, vê-se muitas mulheres continuarem a usá-la e existe quem critique o facto de elas continuarem a usar burca. Como é que olha para esta questão?

Contando que seja uma escolha pessoal, deve-se respeitar. Muita gente se sente incomodada com isso porque não entende como é que isso pode ser uma opção e pensam nas mulheres que foram educadas assim desde pequenas, que é um hábito. Aqui, ignoram todas as mulheres que se converteram, ocidentais como eu e você que se converteram. Em segundo lugar, por uma questão de conforto cultural, nós fazemos isso com a depilação. Porquê que a gente passa por um processo doloroso – se for com cera, é doloroso para caramba! – por razões menos importantes que uma crença, provavelmente? É preciso que o feminismo abrace estas religiões, abrace as escolhas religiosas. O Islão permite o divórcio e o cristianismo não. É muito fácil criticar os outros e não olhar para nós. Nós tomamos decisões que eles não entendem.

Publicado em 23 Março 2016

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