Carol Rossetti. O preconceito pinta-se com muitas cores - Jornal i

Desde os quatro anos que a brasileira sabia que queria desenhar. Depois de se licenciar em Design Gráfico, Carol Rossetti começou a desenhar mulheres e a partilhar online essas criações, que se tornaram virais. Centro e trinta dessas histórias estão agora reunidas no livro “Mulheres”

Amanda não gosta de se depilar. Rosa escolheu não ter filhos. Maíra adora a sua cabeleira afro. Sarah é transexual. Tatiana tem celulite. Isaura fez um aborto. Ana foi violada. Nenhuma destas mulheres existe. Ou antes, todas elas, de alguma forma, são reais, no sentido em que refletem milhares de outras mulheres que realmente existem. E todas, e mais umas quantas, fazem parte do livro “Mulheres” (ed. Chá das Cinco), da brasileira Carol Rossetti. “São personagens fictícias com histórias reais. Tenho um tema, converso com pessoas que vivenciam estas situações, desenho e escrevo uma mensagem, que não é sobre uma única pessoa, mas sobre todas”. Ainda assim, há cinco personagens no livro que são reais: a Mayra, a Emilly Mel, a Nádia, a Whitney e a Aline, que “é uma grande amiga, que me ensinou muito sobre feminismo”, disse ao i, durante a sua passagem por Lisboa.


Quem nunca desenhou foi a si própria. “Acabei nunca fazendo uma Carol. Falar sobre a gente é mais difícil. Mas tento colocar um pouco de mim em cada ilustração. E escrevo os textos como se estivesse a falar com uma amiga próxima. É por isso que têm todas um tom íntimo, é propositado. E é tudo muito direto”, diz, acrescentando ainda que “é preciso não ter medo de falar das coisas”. Até porque, há muito que já foi feito, “mas ainda há muito por fazer”. Por exemplo, Carol alerta para o facto de o Brasil ser o país que mais mata mulheres transexuais. E alerta também para a questão da legalização do aborto, que entende que deveria ser uma prioridade no Brasil. “Agora está a ser mais falado, por causa do vírus Zika. O que mais me assusta, em relação a esta questão, nem é tanto o facto de não ser legalizado [o aborto no Brasil só em permitido em casos de violação, de risco de vida para a mãe ou de fetos sem cérebro], mas que ainda possa haver um retrocesso. Neste exato momento em que estamos a conversar existem políticos conservadores que estão a tentar fazer reverter estas decisões. Essa ala política assusta-me”, explica a ilustradora, enquanto sublinha a importância que os políticos garantam que o Estado brasileiro não cede ao momento de crise que se vive e assegure que o Estado se mantém laico, tal como prevê a lei. “Para que não se façam comentários do género ‘uma mulher só é completa se for mãe’”.

Uma história maior. Carol Rossetti sempre se viu agarrada aos lápis e canetas, a desenhar. E, com apenas quatro anos, disse aos pais que queria ser “desenhista”. Foi estudar Design Gráfico, mas descobriu que se desenhava muito pouco nesta área. “Percebi que se queria trabalhar com ilustração tinha de correr atrás disso sozinha. E comecei a criar projetos pessoais de ilustração para me manter desenhando e não enferrujar.”

Foi assim que nasceu o projeto “Mulheres”. Carol fez uma ilustração de uma mulher e publicou-a na sua página de Facebook. Era a história de Marina, uma mulher que “adora o seu vestido às riscas, mas as revistas de moda dizem que as riscas horizontais não combinam com o seu corpo”. No final, Carol Rossetti deixava um conselho: “Não ligues às revistas, Marina. O importante é usares o que gostas e sentires-te bem com o teu próprio corpo!”

“As pessoas curtiram” e por isso fez outra ilustração. E depois outra e outra e outra. “O projeto acabou por fugir do meu controlo, principalmente quando fiz a versão em inglês”. De repente, pessoas de todo o mundo estavam a partilhar o seu trabalho. As suas “Mulheres” tornaram-se virais, com a página de Facebook a somar mais de 300 mil fãs e o projeto a ser mencionado na CNN e nas TED Talks, entre outros suportes.

A partir daqui, Carol começou a receber sugestões, ideias, histórias, oriundas dos quatro cantos do mundo. E, desta forma, a ilustradora foi também percebendo como o preconceito podia ter nacionalidade. “Por exemplo, a história da Amanda, que não gosta de se depilar, no Brasil deixou as pessoas muito revoltadas. Mas tive mensagens de mulheres do norte da Europa que me disseram que não entendiam porque é que aquela ilustração era importante. Aprendi muito com o projeto.”

Carol sabe que estas situações que retratou estão longe de deixar de existir e, apesar de ter dado o projeto por terminado, continua a abrir exceções. Foi o que aconteceu, quando recebeu um email de uma rapariga indiana a pedir-lhe que desenhasse sobre violações que acontecem dentro do casamento, que é algo muito grave na Índia pois não é considerado crime. Fez o desenho que, no entanto, já não foi incluído no livro.

Atualmente a lançar “Mulheres” em vários países do mundo, em Portugal, esta apresentação oficial terá lugar no dia de hoje, o Dia Internacional da Mulher. Uma data que Carol Rossetti não rejeita: “Se este dia da mulher só serve para vender perfumes e rosas, então talvez não faça sentido. Mas se for um dia de reflexão e campanhas, sobre o que foi feito, mas principalmente sobre o que ainda há para fazer, então é importante. Não serve de nada vermos a série ‘Mad Men’ e dizermos que as mulheres eram mal tratadas se depois não fizermos nada”.

No regresso ao Brasil, Carol Rossetti  voltará ao trabalho no estúdio de ilustração Café com Chocolate Design, de que é fundadora, juntamente com outras duas amigas. É através daqui que desenvolve outros projetos, entre os quais “Cores”, um pequeno livro de banda desenhada, feito a pensar nos mais pequenos, pois permite que sejam ele a colori-lo, enquanto aprendem mais sobre questões de género.

Publicado em 23 Março 2016

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