Elogio do thriller de aventuras como entretenimento puro

As indústrias do entretenimento geram produtos culturais e de distração veiculados pelos meios escritos, audiovisuais e digitais, em permanente turbilhão. Com a literatura, ao longo do século XX, a ramificação de subgéneros atingiu um nível surpreendente (romance histórico, de amor, lírico, de aventuras…), havendo a juntar o teatro, a poesia, a trama policiária, toda a sorte de ensaios, correspondência, memórias, autobiografia, mas a lista é muito extensa. As indústrias contaminam os géneros: muito do que é bom na literatura passa para o cinema e televisão, a comunicação dos blogues não deixa os outros meios insensíveis, e fazem-se filmes para passarem nos ecrãs digitais.

Imperou durante muito tempo o preconceito de que estes produtos eram destituídos de qualidade, eram bolhas que rapidamente rebentavam no ar, sucedâneos atrás de sucedâneos, com propósitos alienantes ou embrutecedores, produtos de usar e deitar fora. O preconceito, diga-se de passagem, vem de longe, mesmo com a colaboração de gigantes literários como Balzac ou Camilo Castelo Branco no género folhetinesco, mesmo com artistas plásticos como Carlos Botelho que fazia desenhos de humor. O preconceito hoje está esbatido: John Le Carré é muito mais do que um talentoso criador de thrillers, afinal Fernando Pessoa fez muito mais do que publicidade, escritores e artistas plásticos intrometem-se frequentemente no cinema, rádio e televisão, escrevendo guiões ou oferecendo os seus préstimos para a trama cenográfica. E aquilo que começa por ser idealizado como entretenimento, pelas razões secretas ou mágicas do poder criador, pode redundar em obra-prima.

Clive Cussler é um escritor norte-americano com créditos firmados nos thrillers onde a atmosfera subaquática está sempre presente, ele é um nome inconfundível do thriller marítimo, amplamente traduzido e publicado em Portugal desde os anos 80. Cussler é mais do que um escritor de ficção, dedica-se à investigação da história marítima e naval, é fundador da NUMA (National Underwater & Marine Agency), uma organização sem fins lucrativos com o objetivo de descobrir navios afundados e igualmente membro da Real Sociedade de Londres.

Sem favor algum, é mestre deste subgénero onde se cruzam ação, intriga, onde paira a tragédia iminente, bem doseada para manter o leitor a passar as páginas sem tréguas. Como literatura de aventuras regista a presença de um herói, Dirk Pitt, com suficiente versatilidade para se desembrulhar airosamente em terra e no alto mar. Em “Mediterrâneo” (por Clive Cussler, Saída de Emergência, 2011) temos todos os ingredientes para empolgar os aficionados do thriller marítimo, como segue. Numa pacata ilha da Grécia, Thássos, no norte do Mar Egeu, uma base aérea norte-americana é subitamente atacada por um avião da I Guerra Mundial. Perante a visão de um biplano que não passava de uma relíquia de museu, a estupefação foi geral. Por puro acaso (na literatura de aventuras o acaso tem sempre muita força), aparece Dirk Pitt integrado numa equipa de investigação junto da ilha, pesquisam um peixe raríssimo que poderá trazer uma nova compreensão para a evolução das espécies. Aquele biplano é intrigante, como Dirk Pitt sabia, tratava-se de alguém que brincava a pilotar um avião mítico da guerra, o Falcão da Macedónia, que fora pilotado por um ás da aviação alemã, dado como desaparecido pouco antes da I Guerra Mundial findar. O herói conhece uma beldade, esta apresenta-o ao tio, o tenebroso Bruno von Till, durante o jantar fala-se de o Falcão da Macedónia e o herói vai viver horas de pesadelo, metido numa gruta e ter de enfrentar um molosso, depois, graças à sua assombrosa tenacidade, vence os obstáculos, chega ao navio de investigação e começa uma pesquisa à volta de uma rede de droga que, como é próprio dos romances de aventuras de Clive Cussler, mete submarinos e muitas proezas subaquáticas.

O controlo da trama é absoluto: há sempre um perigo de altíssimo rico (neste caso a iminência de uma quantidade colossal de droga inundar o mercado norte-americano); há um arrancar da história que tem de ser eletrizante, não pode dar tréguas a quem pega no livro, neste caso é assim: “Estava um calor infernal e era domingo. Na torre de controlo, o controlador de trafego aéreo da Base Brady da Força Aérea norte-americana acendeu um cigarro com a ponta ainda em brasa de outro, apoiou ou seus pés calçados só com meias em cima do aparelho de ar condicionado portátil e esperou que acontecesse alguma coisa); há um avião mítico que nenhum radar capta; anda-se à caça de um peixe pré-histórico, o Teaser, tudo aponta que os últimos peixes andam naquele local do Mediterrâneo, nas profundezas, foi considerado extinto durante 70 milhões de anos, supõem-se que o Teaser teria sido um elo primitivo na evolução dos mamíferos, é portanto uma descoberta que irá virar do avesso o que se sabe sobre a evolução humana; há momentos em que a balança parece pender para o lado do mal, mas o herói façanhudo e expedito desenvencilha-se bem quando tudo parece perdido; no final, mesmo com o corpo feito num oito a Interpol tem um sucesso de que não havia memória na captura de droga; e para retirar o leitor do sufoco do tropel de tanta aventura encadeada tudo acaba em bem e Dirk Pitt recebe como recompensa um carro raríssimo, o Maybach-Zepplin de 1936, o maior rival do Rolls-Royce Phantom III.

O público que pede aventuras sai recompensado, Clive Cussler não defrauda ninguém, construiu uma narrativa vibrante e não é por acaso que a crítica o considera como o melhor contador de histórias do subgénero.

Artigo da autoria de Beja Santos

Publicado em 9 Abril 2012

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