Em Defesa do Erotismo - Entrevista na Revista Máxima

O que aconteceu ao erotismo, na era da pornografia? Psicóloga clínica e autora do recém-lançado livro Em Defesa do Erotismo – A favor da Liberdade e da Saúde Mental (Desassossego), Ana Alexandra Carvalheira fala à Máxima sobre temas ligados ao sexo. 
 

Desafiámos a autora do livro Em Defesa do Erotismo – A favor da Liberdade e da Saúde Mental (Desassossego -Saída de emergência) a falar-nos sobre alguns dos temas ligados ao sexo que ainda despertam mais dúvidas, curiosidade e ainda são considerados tabu.

Será o erotismo o grande desafio num relacionamento? Como se pode preservá-lo numa relação?
Julgo que sim. O investimento erótico numa relação de longa duração é um grande desafio. Penso que para preservar o erotismo na relação antes de mais é preciso evitar a dependência e a fusão com o parceiro. A energia erótica faz-se de autonomia individual. Tem de haver dois indivíduos separados, com limites individuais no sentido de "Eu existo sem ti". Cada um com os seus interesses, uns comuns e outros não. A energia erótica resulta de uma dança bem dançada entre a conexão e a separação dos dois membros do casal. Ou seja, tem de haver ligação e atração entre ambos, mas ambos têm de suportar o movimento de separação e afastamento. O erotismo acontece nesse espaço que o casal é capaz de criar. Um espaço entre ambos, ora juntos ora separados, numa dança de abraço fluido ora aberto ora fechado. O erotismo precisa dessa separação para o desejo fluir. É curioso ouvir tantas vezes um dos membros do casal dizer frases como "parece que isso desperta o meu desejo", "parece que me interesso mais por ele quando ele me liga menos" quando o outro deixa de telefonar ou se mostra menos interessado. Quando um dos membros faz um movimento de afastamento, faz criar esse espaço de separação que permite reacender o desejo. É esse espaço que faz eclodir a energia erótica e o desejo do outro.

 
Que sensações contribuem para isso?
O erotismo é alimentado pela novidade, o mistério, a incerteza, o desconhecido e o imprevisível. O sentimento de total conhecimento e posse do companheiro destrói o erotismo. Não possuímos o outro. O erotismo é elevado/alimentado/nutrido pela atitude de interesse, curiosidade e descoberta da outra pessoa. Se acharmos que sabemos tudo sobre ele, não há atração.
 
Porque se diz que o casamento mata o desejo? Não é, afinal, apenas uma oficialização escrita do amor?
No início da relação, antes do casamento ou da co-habitação, o desejo sexual está ao rubro e o sexo é tórrido. No início, o desejo é alimentado por um combustível de excelente qualidade, que o tornava quase indestrutível. É tudo novo e fresco. É o estado de paixão! No início da relação, nesse estado de paixão, o nível de energia erótica é muito mais elevado. Essa energia – o erotismo – alimenta-se da novidade, do mistério do outro e da expectativa. Está tudo em aberto, tudo por descobrir. E o erotismo floresce no imprevisível e na incerteza.
Eu diria que o casamento pode matar o desejo porque a conjugalidade e a co-habitação trazem a familiaridade, a sexualidade doméstica e a rotina. Com o casamento, o outro passa a ser conhecido, familiar e previsível. A surpresa, a expectativa e a novidade do início são substituídas pela rotina, hábitos e previsibilidade. A relação dá segurança e conforto. O problema é que a segurança, o conforto e a familiaridade não causam nenhum frisson erótico. O desejo choca de frente com a repetição e o hábito. Vai-se perdendo o entusiasmo sexual. A excitação que dantes existia vai dar lugar a um certo aborrecimento sexual. E é isto o dito "processo de deserotização" que acontece nalgumas relações ou nalgum momento do ciclo de vida do casal. O combustível que alimenta o desejo vai-se esfumando. Por vezes, desaparece completamente e não sobra nada.
 
Quais são os grandes tabus atuais da sociedade portuguesa relativos ao sexo?
Hoje em dia já não há grandes tabus. Pelo contrário, o que há é uma tendência para a banalização do sexo.
 
Como surgiu a ideia de escrever este livro? Qual é o maior mito que gostava de desmistificar?
A ideia surgiu do Luís Corte Real, diretor do grupo Saída de Emergência, que tem a chancela da editora Desassossego. O Luís fez-me o convite, lançou o desafio e eu achei que podia dar um contributo no sentido de desmistificar crenças erradas, responder a dúvidas, dar informação que integra o sexo com os pensamentos, as emoções, o corpo e no contexto do indivíduo e da relação. É uma abordagem biopsicossocial da sexualidade. A ideia que eu mais gostava de passar é a ideia de que a tua sexualidade pertence-te, é tua, e podes desfrutar dela com liberdade, ou seja, sem inibições e sem medo. Sem estar aprisionado a falsas crenças ou ao medo do que os outros possam pensar.
 
Os jovens têm uma ideia do sexo como nos filmes e muitas vezes projetam cenários extremamente elaborados. Veem o sexo como se fossem atuar num filme pornográfico. O que aconteceu à sedução e ao erotismo e à naturalidade do momento?
É uma excelente pergunta, pois o cinema e a pornografia oferecem imagens que não devem ser copiadas porque não são uma representação adequada e fidedigna da realidade e muito menos modelos de alguma coisa. Por exemplo, ao contrário do que se vê na pornografia, a penetração vaginal não é uma forma fundamental de estimulação nas mulheres. O clítoris é que é o ator principal na cena do prazer feminino.
 
Porque é que as mulheres ainda têm vergonha de assumir a masturbação como algo natural? Ainda é vista como um tabu, tanto para elas como para eles?
A masturbação é ainda a ala secreta da sexualidade. As mulheres não falam sobre isso. É um assunto secreto. Algumas vezes, quando questiono as mulheres sobre esta prática, tenho esta resposta: "Não, não sinto necessidade disso." Como se "isso" fosse qualquer coisa que não era suposto acontecer, assunto proibido, sobretudo se fosse num contexto relacional. Também ouvi vezes demais a confissão "Nunca me masturbei" em mulheres de todas as idades, algumas no contexto de um erotismo pobre, em que o prazer é relegado para segundo plano. Outras verbalizam isto com alguma tristeza, um sentimento de incompetência e a consciência de terem perdido algo importante. Para algumas mulheres, a masturbação é uma palavra que ainda custa dizer. Algumas mulheres ainda referem a vergonha e a culpa associadas à masturbação. E, para alguns homens e mulheres, a masturbação é vista como um comportamento adolescente e pouco maduro. Ora não é assim. A masturbação pode acontecer ao longo de toda a vida, mesmo no contexto de uma relação. O sexo a solo ou sexo com parceiro/a são dois prazeres diferentes. Um não tem de ser o substituto do outro.
 
Ainda assim, vivemos numa sociedade que é dos millennials e que vive intensamente o digital (e se diz muito avant-garde nestes temas). Mas, quando se trata de falar em sexo, será que caminhamos para uma desinformação do tema derivada da exacerbada informação na Internet?
Outra excelente pergunta. Vivemos um momento de demasiados canais de informação e imagem que temos de processar e analisar. As novas tecnologias oferecem ferramentas que favorecem os valores sociais modernos, por exemplo, a primazia do imediatismo. O imediatismo surge como um valor nos tempos modernos que não afeta apenas a esfera profissional e laboral. Vai lado a lado com a produtividade e o consumismo. O imediatismo alastra também para o amor e para o sexo. Quer-se um parceiro sexual para hoje, para esta noite. Procura-se um namorado para já, leem-se perfis, visualizam-se dezenas de fotos e faz-se a seleção em poucos minutos e avança-se imediatamente porque se quer tudo para hoje, para já. Não sei o que vai acontecer ao erotismo. Terá de se reinventar.
Publicado em 13 Março 2018

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