Entrevista exclusiva a Isabel Ricardo autora de O Último Conjurado




No espaço reservado à dedicatória, decidiu endereçar este romance aos conjurados de 1640 pois sem eles não teria havido 25 de abril de 1974, segundo indica: Pouco se fala do seu abençoado feito, mas se não fosse a sua audácia, o seu patriotismo, jamais teria havido 25 de Abril… Pode explorar melhor esta ligação entre os dois acontecimentos históricos?


A Revolução de 1640 veio devolver-nos a liberdade e a Independência perdidas sessenta anos antes. Se esta Revolução não tivesse acontecido, teríamos sido anexados a Espanha e reduzidos a uma mera província espanhola. Estaríamos ainda sob domínio de uma força baseada na opressão e na tirania e, neste sentido, o 25 de Abril nunca teria acontecido. Provavelmente, por esta altura estaríamos ainda a lutar pela nossa independência! No entanto, graças à nossa força, enquanto povo e enquanto nação, e imitando os nossos antepassados que expulsaram os espanhóis do nosso território, ganhámos forças para derrotar esse novo tempo de tirania e corrupção, que cairia no dia 25 de Abril de 1974.
Por isso, a diferença é esta. Enquanto a data de 25 de Abril festeja a reconquista da nossa liberdade, a de 1 de Dezembro festeja não só essa, mas a da nossa independência, porque não há liberdade sem independência.



Quem foi, para si, o grande herói ou heroína da Revolução de 1640?

Foram os cerca de 40 conjurados que vencendo o medo e arriscando a própria vida e dos seus familiares mergulharam de cabeça na missão mais justa: a independência da pátria.
Foi o povo que imediatamente se juntou ao movimento, de alma e coração, acarinhando como sua aquela revolução.

Foi o sentimento patriótico dentro de todos os corações, do desejo de algo que é tão querido dos portugueses: a sua liberdade e a sua independência.
Foram as valentes D. Filipa de Vilhena e D. Mariana de Lencastre que armaram cavaleiros os próprios filhos menores, sabendo que Portugal iria precisar de todos os braços disponíveis para o defender. E como elas, tantas outras.
Foram todos aqueles que, armados de bravura e coragem, reabilitaram o orgulho nacional, devolvendo aos portugueses o direito à sua identidade própria, como Povo, como Nação, e como Pátria.



A dinastia de Bragança iniciou, de facto, uma nova era na História de Portugal. Foi a dinastia que viu a independência do Brasil acontecer, que sobreviveu a guerras entre irmãos, que viu o terramoto de 1755, assim como assistiu à criação de academias de ciências, teatros e óperas, multiplicando livrarias e tertúlias. Em que se distinguiu o reinado de D. João IV?

D. João IV teve um reinado muito difícil em que procurou sempre consolidar o seu reinado, pois a pós-revolução foi uma altura caótica e de elevadas dificuldades para todo o país.
Na política externa enfrentou grandes desafios, em três principais frentes, nomeadamente: a luta pelo reconhecimento da Independência de Portugal e o seu legítimo direito ao trono - era o descendente daquela D. Catarina de Bragança candidata ao trono, em 1580, trono usurpado por Filipe II de Espanha – nesse sentido, enviando diversas embaixadas junto das cortes europeias e da Sé. Envidou esforços para a obtenção de ajuda militar e financeira junto dessas nações e a assinatura de tratados de paz, ou de tréguas, tendo em vista a recuperação das colónias perdidas no Ultramar desde que havíamos sido anexados pelo país vizinho. A defesa das fronteiras do Reino, pois continuávamos em guerra aberta com a Espanha. Não esquecer que o tratado de paz com a Espanha só foi assinado em 1668, doze anos depois da sua morte.
Na política interna decretou muita legislação importante, vital para a obtenção de um bom governo em Portugal e Além-Mar.

D. João IV foi o rei restaurador, além de ser culto e amante das artes. Julga-se que foi ele que compôs uma das mais bonitas e populares canções de Natal, o hino “Adeste Fideles”.
Não lhe tendo sido reconhecido o devido valor por parte dos cronistas da época, creio que atualmente se verifica o esforço que empreendeu durante todo o seu reinado para assegurar a nossa independência e por isso merece destaque entre os reis de Portugal.


Qual foi o seu rei preferido (e porquê)?

D. Afonso Henriques. Não basta dizer que foi o primeiro rei de Portugal. Isso nada diz da sua importância. D. Afonso Henriques foi o FUNDADOR do nosso país. Sem ele não existiríamos como nação. Foi devido à sua coragem, ao seu sonho, à sua visão, à sua ambição, que hoje somos um povo independente, diferente de todos os outros. Ele FUNDOU um país! Conseguiremos avaliar a grandiosidade de um feito como este? Enfrentar tudo e todos para fundar um país?
Estratega brilhante e um guerreiro temível, com golpes de espada, criou uma nação e conquistou território, envolvendo-se em muitas lutas, combatendo sempre ao lado dos soldados. A sua valentia e audácia eram bem conhecidas pelos inimigos, que o temiam. Os mouros colocaram-lhe até uma alcunha: Ibne Arrik, o Maldito de Deus.
Como curiosidade, aos treze anos e ignorando o cardeal que presidia à cerimónia, armou-se a si próprio cavaleiro, na Catedral de Zamora. Inventou um tipo de combate usado pelos portugueses, conhecido como razzia- (infiltrar-se em território inimigo, surpreendê-los, destruí-los e fugir). Essa sua táctica de guerrilha enchia de terror os inimigos. Comandando um exército pequeno ele sabia que a sua vantagem estava no elemento surpresa.
Devido à sua astúcia política, Portugal foi a primeira nação europeia a estabelecer-se como Estado independente, com direito a língua própria: o galaico-português.
Governou durante cinquenta e sete anos e gostava tanto da jovem nação que tinha fundado que lhe deixou como herança uma imensa fortuna pessoal destinada ao seu fortalecimento.



Por que é que este dia ficou esquecido para a maioria dos portugueses, ao ponto de o feriado de 1º de dezembro, o mais antigo de todos, ter sido suspenso?

Talvez a falta de conhecimento. A maioria da população sabe que o dia 1 de Dezembro é feriado nacional, mas é relativo o conhecimento acerca desse dia, ignorando as repercussões e a importância que teve para o futuro de Portugal. E claro, a pura ignorância e estupidez dos nossos governantes. Esses deveriam saber que este é um dos feriados que nunca deveria ser suspenso. A data de 1 de Dezembro de 1640 jamais deveria ser esquecida, pois está associada a um dos maiores acontecimentos da História de Portugal: a reconquista da independência perdida em 1580. Durante esses sessenta anos vivemos subjugados pelo domínio espanhol.Chega a ser até insultuoso à memória de todos aqueles que lutaram por nos devolver a independência perdida durante essas seis décadas, e a todos os portugueses. É uma data que deveria perdurar sempre na nossa memória, uma das mais importantes para nós, enquanto povo e enquanto país. Relembra e celebra a independência da nossa nação, a identidade de um povo com características próprias entre as outras nações europeias, resultado de todos aqueles que forjaram, ao longo dos séculos a essência de que são feitos os portugueses.


Qual seria a sua frase de ordem para convencer os leitores a mergulharem nesta obra?

Um enredo empolgante, uma narrativa dinâmica, rigor histórico, personagens fascinantes, momentos deliciosos e muito mistério, paixão e suspense.  O Último Conjurado vai apaixoná-lo e prendê-lo desde a primeira página. Depois de o ler, terá uma nova visão da História de Portugal.


Quais seriam as cinco palavras que escolheria para caracterizar/descrever este livro? E porquê?

Apaixonante. Irresistível. Delicioso. Inesquecível. Imprevisível…
Apaixonante, porque irá arrebatar o leitor de tal maneira que o levará numa emocionante viagem no tempo até à época onde se desenrola a acção, proporcionando-lhe a experiência fantástica de se sentir parte integrante da história. Irresistível, porque não vai conseguir parar de o ler, tornando-se uma leitura compulsiva, viciante. Delicioso, porque lhe irá proporcionar um prazer imenso, saboreando-o e devorando-o com tanto entusiasmo e pressa que terá vontade de o ler e reler, uma e outra vez. Inesquecível, porque o irá marcar para sempre. Imprevisível, porque… Bem… isso será uma surpresa para o leitor e não convém desvendar muito o segredo…



Em O Último Conjurado qual foi a personagem que gostou mais de criar?

O Capitão Gualdim, sem dúvida nenhuma. Deu-me um prazer e um entusiasmo enormes criar esta personagem e todo aquele suspense e mistério em redor da sua identidade secreta. Envolvê-lo em todas aquelas situações empolgantes. Também adorei dar vida ao principal vilão, o vaidoso D. Manuel de Vilar e deliciei-me a valer com ele, os seus exageros, tanto na indumentária como na conversação, a sua crueldade e mesquinhez. Também foi muito gratificante a criação dos três cavaleiros principais, D. Pedro, D. Afonso e D. Diogo, cuja audácia, bravura e boa disposição me contagiaram durante todo o livro. Há situações com eles que me deram um gozo enorme escrever, como aquela em que resolvem libertar um amigo do Castelo de S. Jorge, disfarçando-se de frades. Acho que me diverti tanto a descrever essa parte como os leitores… Por vezes desatava a rir, sem conseguir parar. O pior é que o escrevi à noite e acordava toda a gente com as minhas estrondosas gargalhadas!…


Teve alguma experiência diferente com as suas obras, no que toca à recepção dos leitores?

Absolutamente e as mais variadas. Desde um caso, que eu achei estranhíssimo na altura, de um miúdo sobredotado de 8/9 anos que adorava ler e que leu o livro às escondidas dos pais. (O livro tem várias passagens que não se adequam a leitura para crianças.) Adorou tanto o livro, tomou-se de tal maneira de amores por ele, que o acompanhou durante o seu crescimento, lendo-o várias vezes. Levava-o para todo o lado, até para a praia e dormia com ele debaixo da almofada. Sentia um carinho e uma atracção enormes por ele. Estava já tão desfeito, até com os cadernos soltos, que a mãe, um dia, numa feira do livro em Leiria, apareceu por lá e contou-me esta situação, levando outro exemplar igual para substituir o anterior. Achei essa história extremamente amorosa e marcante. Muitos outros leitores consideram-no o preferido, desde jovens de 13 anos a adultos já com netos. É um livro tão especial que cativa jovens e menos jovens… É intemporal. Uma característica constante; é lido mais do que uma vez e sabemos que isso não costuma suceder com os adultos. Raramente voltam a ler o mesmo livro. Todos sentem um carinho muito especial por ele. Prova disso são os testemunhos de leitores das mais variadas idades.


Sabemos que o gosto pela escrita começou em idade muito precoce, já que escreveu o primeiro livro com 11 anos. O que acha que a terá motivado a isso?

Acho que já nasceu comigo esse desejo de inventar e escrever histórias. Antes mesmo de saber ler, aos 3 anos, ia para a janela com um livro escolar da minha irmã e fingia que lia, inventando histórias. Nunca tive a sorte de me ser lida uma história, como aconteceu com a maioria dos escritores, pois em casa dos meus pais não existiam livros, a não ser os escolares da minha irmã. Por isso limitava-me a sonhar e a inventar as minhas, criando personagens, enredos e contando-as em voz alta, de tal maneira que quem me ouvia achava que eu as estava a ler dos livros que eu segurava, orgulhosamente, nas mãos. Assim que li o primeiro livro, nunca mais parei. Para mim um livro era o maior tesouro que eu podia ter, um objecto mágico. A leitura proporcionou-me sempre uma sensação maravilhosa, de descoberta, de viagens, de sensações e sentimentos… Juntei o dinheiro para adquirir o meu primeiro livro com o maior entusiasmo e continuei sempre. Sentia-me fascinada pelos escritores, por escreverem livros que levavam os leitores a sonhar e a viajar com eles. Na altura pareceu-me a profissão mais fascinante do mundo... Continuo a pensar o mesmo. A sentir a mesma magia… Não se alterou ao longo dos anos. A experiência de escrever o primeiro livro foi extremamente empolgante e demonstrou-me que aquilo era o que eu gostava mesmo de fazer. Inventar e escrever livros!


A Isabel é uma autora multifacetada pois tem cerca de três dezenas de livros publicados, divididos essencialmente em três áreas… A literatura infantil, a juvenil, e os romances históricos. Quais lhe dão mais prazer escrever, ou é tão diferente que não se pode comparar?

Eu adoro escrever, seja para os mais pequenitos, para os jovens ou para os adultos. Tenho sempre um imenso prazer em criar, seja uma história infantil, uma juvenil, ou um romance. A uma dada altura apercebi-me que queria ter o prazer de acompanhar os meus leitores desde pequenitos, mesmo sem ainda saberem ler, e resolvi escrever para todas as idades, e por isso tenho livros desde o pré-escolar. Gosto de escrever todos os géneros, mas empolgo-me a valer com os romances históricos. Poder mergulhar naquelas épocas, sonhar com elas, transportar-me para lá, viver aqueles momentos, vibrar com as personagens, e descobrir coisas tão interessantes que não resisto a transmiti-las aos leitores. São os meus cúmplices e acho que eles sentem essa cumplicidade. Tenho escolhido os mais emocionantes acontecimentos, desde a Revolução de 1640, como a crise de 1383/85, as invasões francesas. Acho que os meus livros são os melhores cicerones/companheiros de viagem que o leitor pode ter!


Para terminar: parece-lhe que a nossa história de vida, a nossa trajectória pessoal e profissional, está ligada de forma inerente aos livros que formaram em nós uma visão do mundo?

Claro que sim. Tudo o que nos possa ajudar a pensar, a reflectir e a abrir novos horizontes, contribui, de forma decisiva, para a nossa forma de estarmos na vida, de tomarmos decisões e de nos relacionarmos com os outros. Na minha trajectória enquanto escritora, já fui ao encontro de novos leitores que não tinham qualquer apetência para a leitura e que encontraram nos meus livros o prazer de ler e a capacidade de os ajudar a descobrir novos horizontes e isso é extremamente gratificante para um escritor. Saber que de alguma maneira contribuímos para o enriquecimento pessoal de uma criança, um jovem ou um adulto.

Publicado em 17 Outubro 2014

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