Entrevista exclusiva a Sónia Louro, autora de Fernando Pessoa, O Romance




Escrever Pessoa

Fernando Pessoa é um dos poetas mais célebres do mundo da lusofonia. Ainda havia, durante o processo de escrita deste romance, facetas desconhecidas do poeta?

Creio que todas as personagens têm facetas desconhecidas e muitas vezes não é porque sejam ocultas, mas simplesmente porque nunca foram todas compiladas na mesma obra e o conhecimento do público acaba por ser sempre fracionado.

 Os aspetos místicos e os princípios alquímicos foram alguns dos muitos interesses de Pessoa – procurou focá-los na obra?

Sim, nem poderia ser de outra forma. Para alguém que dedicou tanto do seu tempo a tentar ver nos astros e nos espíritos o que o futuro lhe reservava, omitir essa faceta do poeta no seu romance biográfico era como amputar-lhe um braço num retrato a óleo.

Controlou de alguma forma as personagens da obra ou já tinha, desde o início, vida própria na narrativa e Sónia apenas relatava?

Eu tentei controlá-las. Juro que sim. Mas um dia, Álvaro de Campos mostrou-me o caminho e eu percebi que tinha de alterar o que já estava escrito, pois além de vida própria, eles tinham até vozes próprias e tudo o que diziam no romance já eles o tinham dito antes… Era só preciso lê-los, ou seja, voltar a ouvi-los.

Que autores, além dos de pesquisa bibliográfica, a inspiraram e influenciaram para conseguir incorporar a figura de Fernando Pessoa?

Alberto Caeiro, Bernardo Soares, Ricardo Reis, Álvaro de Campos… É que além dos autores de pesquisa bibliográfica, como bem refere, Fernando Pessoa já é/era muitos, e todos tão ricos que não havia necessidade de aumentar o rol.

Tem algum ritual de escrita que queira partilhar?

Não tenho propriamente nenhum ritual de escrita. Não sei… Escrever é natural para mim, tal como será para os escritores no geral. Quem tem sede, bebe água…Um escritor precisa escrever, logo escreve. Se encher o copo de água for o ritual, então teclar é o meu.

Ouvia música a escrever? Qual a música que identificaria com Fernando Pessoa – e/ou com os heterónimos?

Não oiço música quando escrevo. Gosto do silêncio. Não identificaria exatamente uma música com Fernando Pessoa, mas identificaria uma intérprete e também autora, Amália Rodrigues, que, por sua vez, se identificava com algumas das coisas que ele escrevia. E, por vezes, em letras de fado dela, parecia-me ouvir um eco de Fernando Pessoa ou até em entrevistas a Amália. Por exemplo, Bernardo Soares disse, no Livro do Desassossego: “Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela”. Amália costumava dizer: “Eu não vivi a vida, ela é que me viveu a mim”. Portanto, há algo de Fernando Pessoa em Amália, logo nos fados também.

 

Pessoa e o Amor

Muitos poetas são de amor. Apaixonados e desesperados como Luís de Camões ou explosivos e românticos como Florbela Espanca. Fernando Pessoa é um deles?

Não, por certo que não. Fernando Pessoa tinha uma personalidade mais contida. É certo que Ophélia Queiroz testemunha que por vezes ele tinha uns “repentes de paixão”, mas eram episódios curtos e que se repetiram durante pouco tempo.

A sua relação com Ophélia foi, de facto, um namoro? E é mesmo verdade que Fernando Pessoa e os heterónimos conviviam em pleno dia?

Na cabeça de Ophélia sim, mas Fernando Pessoa queria manter secreto o que quer que tivessem… A 27 de Novembro de 1920, Fernando Pessoa escreve a pôr fim a algo que envolve amor… Além disso, durante um período de tempo, todos os dias ele ia esperá-la à saída do trabalho e também lhe mandava cartas apaixonadas diariamente. Ora isso eram coisas que os namorados daquele tempo faziam. Portanto sim, penso que teriam um namoro, mas creio que o nome exato não é o mais importante. Quanto aos heterónimos, há textos em que vários heterónimos e o ortónimo conversam e há encontros em que Álvaro de Campos vai no lugar de Fernando Pessoa, inclusive encontros com Ophélia.

 

Pessoa e a cultura

Uma pergunta difícil: para o poeta que disse “A minha pátria é a língua portuguesa”, como acha que Pessoa veria a cultura lusófona nos dias de hoje?

A cultura lusófona não tem no mundo o peso de uma cultura anglófona, mas cada vez temos mais autores portugueses traduzidos, temos um prémio Nobel da Literatura e, sobretudo, o peso de Fernando Pessoa nessa mesma cultura é imenso, é uma referência e é também um símbolo da mesma. Portanto, acho que a cultura lusófona nos dias de hoje agradaria bastante a Fernando Pessoa.

Como veria o poeta Pessoa a cidade atual de Lisboa?

Lisboa ainda tem muito de antigo. Creio que a rua dos Douradores, dos Correeiros, toda essa baixa que Fernando Pessoa calcorreou ainda mantém muito do que ele conheceu. E a luz… A luz de Lisboa é única no mundo e essa mantém-se; e toda a nostalgia, o desespero, a desesperança terão sido sentidos, vistos e escritos sob essa luz… Há algo de especial na luz de Lisboa e essa é a mesma.

E o mundo?

Creio que a vida e o mundo andam hoje a uma velocidade demasiado rápida para que ele a pudesse acompanhar. Por outro lado, as redes sociais e a internet no geral ter-lhe-iam permitido participar em encontros, dar opiniões sem precisar estar fisicamente presente. Penso que ele teria gostado dessa parte da modernidade…

Crê que Fernando Pessoa iria gostar do romance?

É difícil vermo-nos refletidos no espelho quando a imagem refletida, embora real, não é a que gostaríamos.

Das gravuras, desenhos, pinturas e algumas fotografias, como interpretaria o olhar de Fernando Pessoa?

Triste, melancólico… podia ser um fado.

 

Trivialidades

Uma curiosidade trivial: Fernando Pessoa, tendo nascido em Lisboa e depois vivido na África do Sul e em Londres, tinha algum prato preferido?

Fernando Pessoa nunca viveu em Londres, talvez esteja a fazer confusão com o Engenheiro Álvaro de Campos, pois esse sim trabalhou em Londres e também em Barrow on Furness e Newcastle on Tyne e estudou em Glasgow.

José Paulo Cavalcanti Filho menciona na sua biografia sobre Pessoa, como prato favorito, as tripas à moda do Porto. Um facto curioso é que Álvaro de Campos escreveu um poema intitulado “Dobrada à moda do Porto”. Mas talvez o prato favorito de Fernando Pessoa fosse o passado, como ele escreveu “Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!”

Diga-me uma pergunta que nunca lhe fizeram numa entrevista.

Tenho sempre dificuldade em responder a esta pergunta, mas posso avançar alguns exemplos: Qual é a hora do seu nascimento? Qual é o número do seu bilhete de identidade? Prefere shorts ou fio dental? [risos]

 

Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.

Fernando Pessoa in Páginas Íntimas e de Autointerpretação
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Publicado em 8 Outubro 2014

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