Entrevista exclusiva a Luize Valente
É a sua segunda obra de ficção, mas a primeira a ser publicada em Portugal. Como se sente?
Muito feliz e ansiosa. Tenho uma forte ligação com Portugal. Os meus avós maternos são portugueses. Eça de Queirós é uma das minhas primeiras referências literárias e uma das motivações para que eu tenha querido escrever. Os meus dois livros têm temas ligados a Portugal. O Segredo do Oratório trata da saga de uma família cristã-nova no Brasil, que veio de Portugal após a Inquisição. E Uma Praça em Antuérpia conta a história de duas irmãs gémeas portuguesas, mostra o país durante a Segunda Guerra Mundial e a história desse homem incrível que foi o cônsul Aristides de Sousa Mendes. Sinto-me muito honrada por poder contar esta história e, mais ainda, por ela ser lida em Portugal.
É conhecido o seu interesse pela História do Século XX, nomeadamente os temas ligados ao Judaísmo, às raízes judaicas do Brasil e à saga dos judeus de Portugal. No ano em que se comemoram os 70 anos do final da Segunda Guerra Mundial, crê haver ainda muito para dizer? Há quem diga que a literatura e o cinema se saturaram com este tema, e por outro lado, há quem receie que se esqueça este capítulo mais negro da História...
Acho que ainda existem muitas histórias a serem contadas e sob diversos pontos de vista e contextos. Eu senti necessidade de fazer este livro pois achava que a saga de Sousa Mendes merecia ser mais divulgada para o mundo. Também queria relatar o quotidiano daqueles que foram obrigados a fugir, a incerteza do pré-guerra e os primeiros meses do conflito fora da Alemanha, que acaba por ser o centro das narrativas e dos filmes. Sete décadas ainda é muito próximo de nós… Há muitas histórias que ainda vêm à tona e precisam de ser contadas, para que não esqueçamos nem amenizemos as atrocidades da Segunda Guerra.
Ainda dentro do plano de visão sobre a Segunda Guerra Mundial, os romances são muitas vezes um modo de ver o mundo à nossa volta. Numa altura tão conturbada de conflitos em todos os continentes, em que atualmente se destaca mais a questão dos refugiados sírios e eritreus, há cenas que se repetem nas guerras, independentemente do local de origem dos conflitos, ou o contexto muda a guerra na sua essência?
Muito boa a pergunta! O que vemos hoje mostra-nos que guerra é sempre guerra. O contexto, a origem, o cenário mudam, mas a essência ali está, guardadas as proporções. Na Segunda Guerra, vimos a Europa e o mundo a fechar as fronteiras e calculando cotas para os judeus que viviam no continente e que tentavam escapar do horror nazi. Hoje, vemos a Europa fechando fronteiras e calculando cotas para sírios e outros povos que fogem de conflitos internos e do fanatismo religioso em outros continentes. Ao mesmo tempo, vemos solidariedade e ações individuais de ajuda a esses refugiados, naquela época (Sousa Mendes foi um exemplo) e hoje. Não se pode comparar a matança nos campos de concentração a nada, nada foi tão insano e atroz, mas as atrocidades cometidas na Síria – pelo próprio governo e pelo fanatismo do Estado Islâmico – são verdadeiros massacres acontecendo perante os olhos do mundo sem que nada de efetivo tenha sido feito até agora.
Há mais refugiados a circular na Europa do que na altura da Segunda Guerra Mundial. Como pode o seu livro ajudar a ver melhor esta questão dos refugiados?
Ao olharmos o passado, ao acompanharmos a saga de Clarice e Theodor – os meus protagonistas –, a tentativa desesperada de deixar o país em que viviam – a Bélgica – quando a guerra estourou, deixar o trabalho, a casa, as lembranças, ao vivenciarmos, junto com eles, a perseguição sem sentido, os bombardeios, as dificuldades, enfim, creio que não há como não nos remetermos ao que vemos hoje e pensar no que podemos efetivamente fazer, cada um de nós, como indivíduos, para ajudar estes refugiados do século XXI.
Uma Praça em Antuérpia é sopesado pela verdade e pela ficção. Qual foi o maior desafio que se impôs na escrita desta obra?
O maior desafio foi construir a verdade interna da trama. A minha história ficcional tinha de se encaixar com a História real do mundo. Encaixar-se de tal forma, com tal naturalidade, que ela mesmo parecesse real. Para isso, além da pesquisa histórica detalhada, conversei com pessoas que viveram aquele período. Colecionei muitos relatos, consultei jornais da época para descobrir se no dia "tal" fazia sol ou chuva, refiz, eu mesma, a fuga dos personagens pela Europa, da Bélgica até Portugal, viajei pelos lugares que descrevo no livro. Enfim, costurar a ficção na verdade foi o meu grande desafio.
A guerra coleciona tragédias, sendo que uma delas é a separação de famílias – emocionou-se ao escrever este livro? Houve alguma altura em que se tornou doloroso para si escrevê-lo?
Sim, emocionei-me de mais. Eu vivia o drama com as personagens! Foi muito doloroso escrever sobre as separações, sobre entes queridos que se separam e sabem que jamais se verão novamente.
Se pudesse escolher uma figura política (viva ou morta) a quem oferecer este livro, quem escolheria? Porquê?
Acho que escolheria Salazar… na esperança de que ele reconhecesse o valor, a nobreza, a coragem, a generosidade de Aristides de Sousa Mendes e a importância do cônsul para a História de Portugal num período de trevas da Humanidade.
Que mensagem tem para os seus futuros leitores?
Espero que se envolvam com Uma Praça em Antuérpia, que mergulhem na história das gémeas portuguesas Clarice e Olívia e vivam com elas toda a emoção que eu vivi ao escrever o livro!