Entrevista exclusiva ao autor Pedro L. Torres

SdE: Em O Anjo e o Inquisidor explora um tema pouco usual na literatura, ainda desconhecido da época áurea dos Descobrimentos, que é o da instalação da Inquisição no Brasil. Sempre soube que iria, algum dia, abordar este tema na ficção?
Pedro L. Torres: A ideia para escrever este romance surgiu quando li Confissões da Bahia: Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, trabalho do historiador brasileiro Ronaldo Vainfas, adaptado do livro com o mesmo nome publicado em 1922 pela Sociedade Capistrano de Abreu. Aí encontram-se os relatos das confissões dos acusados perante o tribunal do Santo Ofício, cujos originais se encontram no arquivo da Torre do Tombo. As confissões aí descritas não só dão um relato preciso de uma época de denúncia e medo, como uma ideia do tipo de crimes de fé de que se ocupava a Inquisição, alguns roçando o surreal e o absurdo.

SdE: Que desafios teve ao tratar este tema? Foi fácil entrar no clima (tropical e ideológico) daquele tempo?
Pedro L. Torres: O desafio maior foi naturalmente entrar no ambiente da época, e caracterizá-lo com precisão. Felizmente existe muita documentação trazida até aos nossos dias, nomeadamente o Tratado da Terra e Gente do Brasil, da autoria do padre jesuíta Fernão Cardim – o qual faz parte do elenco de personagens da obra –, onde são descritas exaustivamente as terras, as espécies de cultivo, as tribos índias, as árvores, os animais, os insectos, etc. O nível de detalhe de obras como esta permite um retrato muito fiel do Brasil à entrada do século XVII.

SdE: A inocência e a tentação maldita misturam-se na figura do anjo – e em todo o romance tem-se a sensação de que há um mistério por resolver... o que o inspirou para criar a figura do anjo?
Pedro L. Torres: O anjo é a personificação de uma dimensão espiritual que atravessa toda a obra. Ao chegar à Bahia, o inquisidor Heitor Furtado de Mendonça depara-se com a profanação dos símbolos, da fé e dos costumes, e incapaz de compreender a génese deste fenómeno, ele irá perseguir tudo o que entende por desvirtuamento do sagrado. A sua ortodoxia acabará porém por conduzi-lo até esta figura jovem e bela, que encerra em si uma entidade terrível.

SdE:  As cartas e confissões a saltear cada capítulo oferecem pequenas janelas históricas sobre aquilo que era considerado «pecado» na altura, algumas surpreendentes. Houve alguma confissão que se destacasse das outras em termos de repercussão social?
Pedro L. Torres: O caso mais emblemático é o de Felipa de Souza, moradora na cidade de Salvador e acusada de práticas nefandas com outras mulheres, humilhada em praça pública e degredada para todo o sempre da Bahia. Tornada um símbolo, dá há vários anos o nome a um prémio internacional de direitos humanos dos homossexuais.

SdE: Acredita que os romances históricos são uma forma de reaprender a história ou a fantasia poderá, em algum caso, atrapalhar os factos?
Pedro L. Torres: A fantasia transforma os factos, como se fosse uma faca que os afi a, tornando-os pontiagudos. Essa é a essência da boa ficção, a qual deve prevalecer no romance histórico como eu o concebo. A cuidada envolvente histórica é fundamental para a verosimilhança do enredo, mas não pode ser o objectivo primordial da novela.

SdE: Que mensagem tem para os leitores portugueses?
Pedro L. Torres: Ler transforma-nos enquanto seres humanos. Transporta-nos a um patamar superior de liberdade e de consciência do mundo à nossa volta, alterando radicalmente a nossa visão e o nosso conhecimento. Não conheço outra forma tão acessível ou tão eficaz na elevação do espírito humano. Quem lê, é gigante.
Publicado em 23 Junho 2015

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