Entrevista exclusiva Isabel Ricardo

A Revolução da Mulher das Pevides centra-se, de certa forma, no poder que uma mulher pode ter para determinar o curso de uma batalha e levar o seu país à vitória sobre um povo invasor. Em O Último Conjurado tínhamos a acção centrada em personagens masculinas. Agora é em Ana Luzindra. Foi difícil para si fazer a mudança de voz narrativa ou, pelo contrário, foi mais confortável por ser uma mulher?
Não foi difícil, porque tenho sempre muita facilidade em entrar dentro de qualquer personagem, por mais complexa que seja. A uma dada altura de todo o processo de escrita parecem ganhar vida própria e eu limito-me a descrever o que elas estão a fazer, a pensar, a sentir. É claro que, sendo mulher, tive uma maior sensibilidade que me permitiu uma desenvoltura em determinadas situações. Ao identificar-me com a Ana Luzindra, pude transmitir-lhe muitos dos meus sentimentos e acções, os quais, perante situações idênticas, me levariam a proceder da mesma forma que ela.

Nem sempre os factos históricos são documentados tendo em conta a posição ou a perspectiva das mulheres, quanto mais mulheres do povo como esta corajosa nazarena. Temos ainda a padeira de Aljubarrota e Catarina Eufémia... mas não muitas mais. Há alguma mulher na História portuguesa, além destas, que deva ser mais e melhor conhecida?
Provavelmente haverá muitas mais que, não querendo salientar-se, ou por normas da sociedade ou por modéstia, preferiram ficar à sombra de outra pessoa, mais concretamente de um homem, e que ficarão eternamente desconhecidas. Não por serem inferiores em heroísmo e determinação, mas porque as mulheres são mais discretas do que os homens, e a História revela-nos isso. Mesmo assim, houve muitas que contrariaram as convenções das épocas em que viveram e tiveram a coragem de agir de forma diferente da que era usual. Não poderia deixar de destacar estas duas que surgem neste romance e que dei a conhecer: a astuciosa Ana Luzindra e a destemida Joana da Estopa. Esta última, valendo-se da sua idade avançada, não tinha medo de nada e enfrentava tudo sem temor. A mais jovem, Ana Luzindra, agindo dissimuladamente, fingia interesse nos soldados e eliminava-os, pois sabia que, às vezes, perante a força, as armas mais adequadas são a inteligência e a astúcia. Em situações dessas temos de nos valer de todas as armas que temos à disposição. E se elas forem a astúcia, a coragem, a determinação e a inteligência… No amor e na guerra vale tudo!

Além disso, também mudou a forma como se contam romances históricos: concebeu o romance a partir de uma localidade pouco usual (literariamente falando), a Nazaré, e com uma mulher como protagonista. Foi propositado? Sentiu, alguma vez, que corria riscos, ou que o grau de dificuldade seria maior?
Vivi na Nazaré quase a minha vida inteira e sempre me interessei pelo seu passado histórico. Quando descobri que a Nazaré teve um papel relevante durante as invasões francesas, isso empolgou-me imenso e incentivou-me a escrever um romance baseado nesses acontecimentos históricos e nessas personagens reais. Deu-me um prazer muito especial quando descobri que duas personagens importantes nos factos ocorridos na Nazaré eram mulheres e senti-me muito próxima delas, sobretudo de Ana Luzindra, pois sinto que faria o mesmo numa situação idêntica. Este livro acabou por se revelar o livro mais problemático de escrever até ao momento, pois foi necessária muita pesquisa, imenso trabalho de investigação para conseguir alcançar o que me havia proposto. Descrever com o maior rigor histórico os acontecimentos que sucederam naquela época conturbada, não só na Nazaré, mas no resto do país. Acrescentando o facto de ter tentado manter-me o mais perto possível da forma bem característica da linguagem nazarena, para criar um cenário mais realista, mas de modo que os leitores não experimentassem dificuldades na leitura. Revelou-se um desafio difícil, absorveu-me muito tempo e energia, mas o resultado final foi bem  gratificante.

Qual foi a personagem que mais a desafiou ou cativou?
Foram três. A Ana Luzindra, pela sua coragem; o António Enjeitado, pela sua valentia; a Joana da Estopa, pela sua irreverência. Diverti-me muito a escrever as páginas onde Joana entrava e dei por mim muitas vezes a rir sozinha. Como já referi anteriormente, são personagens inspiradas na realidade. Personagens que me deram um prazer enorme criar. O facto de saber que eles existiram mesmo e que seria eu que lhes estaria a dar voz, a dar vida, foi uma responsabilidade enorme, mas julgo que consegui honrar a memória deles neste romance histórico.

A Nazaré é conhecida pelo seu «microclima cultural», isto é, há hábitos culturais, rituais e formas de estar únicas na Nazaré, e que não se reproduzem em mais nenhuma parte, como a tradição das sete saias das nazarenas. Ainda se mantém este lado típico da Nazaré?
Claro que sim, porque as tradições fazem parte da cultura de um povo. Mesmo as mulheres que não as usam diariamente, por altura do Carnaval é tradicional usarem-nas e o mesmo acontecendo com as crianças. A Nazaré realmente é única em muitos aspectos. A peculiaridade do seu povo está presente nestas personagens. A sua maneira de estar, de sentir, de falar, tão diferente das restantes regiões portuguesas, tem-se mantido através dos tempos.

O território português não esteve ocupado por muito tempo, durante as invasões francesas devido à coragem e quase rebeldia do povo que teve de enfrentar a ignomínia francesa completamente só. Apesar de pouco tempo, ainda é uma longa história... irá abordar de novo o tema das invasões?
Sem dúvida. Inicialmente tencionava escrever só um livro, mas com o objectivo de descrever as três invasões francesas. Mas foram tantos e tão ricos os acontecimentos que ocorreram nessa época tão conturbada e difícil para Portugal que, a certa altura, me apercebi que não conseguiria relatar tudo o que acontecera num só livro, pois ficaria muito por contar, e eu pretendia descrever de uma forma acessível tudo e, principalmente, a força e a determinação do povo português. Esta foi então a maneira de retirar do anonimato esta gente simples e destemida, e prestar a minha sincera homenagem a todos aqueles homens e mulheres desconhecidos que se lançaram de alma e coração numa luta em que arriscaram a vida por uma causa sempre tão querida de todos os portugueses, que é a sua independência e a sua liberdade. Por isso, pretendo escrever sobre a segunda e a terceira invasões francesas noutros títulos, continuando com algumas destas mesmas personagens.

Tivemos e temos grandes historiadores portugueses e há cada vez mais romances históricos a serem editados em Portugal. Acha que os portugueses sabem mais de História ou ainda há, pelo contrário, muitas lacunas a colmatar?
Sim, pois o prazer de ler romances históricos ajuda o leitor a adquirir novos conhecimentos e a valorizar o nosso passado. Apesar de termos excelentes historiadores, há muitas lacunas a colmatar. A nossa história é riquíssima em acontecimentos, em personagens, e ainda há muito material para romances históricos que não foi explorado. Também é importante salientar que há muitos romances que se dizem «históricos», mas que não serão muito fiáveis. Um romance histórico acarreta uma grande responsabilidade, pois não estamos só a criar uma ficção. Temos de nos cingir aos factos ocorridos. Para inventar basta escrever um romance de ficção. Por isso temos de andar sempre em redor daqueles acontecimentos e é o nosso enredo que terá de ser criado em função desses acontecimentos e não o contrário.

Agora, uma pergunta divertida: se fosse anfitriã de um jantar e pudesse convidar cinco pessoas de qualquer ponto cronológico, mortas ou vivas, quem convidaria e porquê?
Uma pergunta sem dúvida muito interessante e original já que nunca ninguém ma tinha feito antes... Há muitas personalidades que eu gostaria de ter conhecido, embarcando em qualquer fantástica viagem do tempo... No entanto, como tenho de escolher só cinco… D. Afonso Henriques teria de ser uma delas, pois foi o fundador do nosso país e por quem sempre senti uma grande admiração; Nuno Álvares Pereira, pelo génio militar e a alma da nossa independência; Luís Vaz de Camões, pelo génio literário e que considero o maior poeta de todos os tempos; Agostinho da Silva, pela inteligência e clareza de espírito; António Enjeitado, pelo facto de ter descoberto durante a pesquisa deste livro que foi um dos meus antepassados, o que me causou uma emoção imensa. Curiosamente, todos eles já entraram como personagens em livros meus, até infanto-juvenis.
Publicado em 20 Outubro 2015

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