Fahrenheit 451 - Opinião no blogue As Leituras da Fernanda

Noutro dia cruzei-me com um post no Facebook a perguntar, mais ou menos assim, «E vocês, que livro queimariam?»A pergunta, apesar de perceber que havia sido feita num sentido figurativo, chocou-me. Chocou-me porque, tal como muitos de vocês, a imagem de um livro a arder transporta-me para a Alemanha nazi e para a perda de liberdades, incluindo a do conhecimento e da vida. Nessa época foram queimados mais do que 20.000 livros. Tudo o que fosse considerado "pouco alemão" ía parar à fogueira. E não passou muito tempo até que fossem as pessoas a ir parar ao mesmo sítio. A queima de livros ou a proibição de ler certos livros está sempre ligada à condução de uma sociedade para a ignorância com vista à manipulação. Por isso, mesmo que um livro seja uma porcaria, e nós sabemos que há aí autores que só são lidos porque estão na moda, não pode, nem deve ser alvo de "queima".  
 
Bem, sobre este livro de Ray Bradbury, não sendo eu fã de ler ficção científica, sabia que era uma leitura obrigatória. Aproveitei a nova edição da Saída de Emergência a propósito do filme que está para estrear em breve, arranjei um exemplar e li-o.
 
A história que este livro nos conta passa-se numa sociedade imaginária e claramente ditatorial, em que as pessoas vivem em perfeita ignorância, como ovelhas num rebanho, sem vontade própria, presas a uma vida evasões coloridas e programas de televisão sem conteúdo. A personagem principal, Guy Montag, é um bombeiro. Mas naquela distopia tudo é à prova de fogo, pelo que os bombeiros apenas existem para queimar livros. No quartel a sirene toca quando há suspeita de alguém que esconda livros e os bombeiros correm para "apagar" o perigo do conhecimento, das ideias e opiniões que podem surgir ao ler e queimam os livros e tudo o que lhes diga respeito. 
 
Um dia, Montag cruza-se com uma estranha jovem de 17 anos que lhe coloca uma semente de dúvida na mente: o que terão os livros de tão importante para terem de ser queimados para que ninguém os leia? E aí começa a viagem de Guy rumo à rebelião. É interessante acompanhar o desabrochar de Guy Montag enquanto ser pensador. Achei piada à sua urgência em querer sentir que estava a ter pensamentos originais e não simples ecos do que outros diziam. 


Entristeceu-me perceber que este livro, apesar de ter sido escrito nos anos 50, descreve uma realidade que nos é extremamente próxima. A nossa sociedade, tão cheia de programas de televisão ocos, revistas e jornais que não publicam mais do que fofoquices e onde o entretenimento rápido é o mais importante, releva para segundo plano a importância do conhecimento, quase o considerando como sobrevalorizado e inútil. Foi realmente como uma crítica à sociedade da época que Ray Bradbury o escreveu, mas certamente nunca imaginou que sessenta e tal anos depois seria uma crítica ainda mais pungente.

Acabei por gostar. Não é uma escrita fácil, esta a de Ray Bradbury, e não sendo eu grande apreciadora de ficção científica, ainda mais me custou ler este livro. Mas, apesar de rebuscada, tem uma certa beleza e não interfere com o ritmo da leitura, por isso pude apreciar a história de que tanto já tinha ouvido falar. Marcou-me, como certamente marcou e vai marcar a todos os que lerem este livro. Uma obra indispensável em qualquer estante.
 

Os cartazes dos filmes (de 2018 e 1966)
 

Curiosidades: 
 

  • 451º F (= 233ºC) é a temperatura a que arde o papel dos livros; 
  • O título originalmente pensado para este livro foi "O Bombeiro", mas Ray e os seus editores acharam que seria demasiado monótono, pelo que ligaram para um quartel de bombeiros para saber qual a temperatura a que arde o papel - 451ºF;
  • Ray Bradbury escreveu Fahrenheit 451 rodeado de livros, na cave da Biblioteca Powell na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) onde se podia alugar uma máquina de escrever a 20 cents à hora. Ray, no entanto, nunca foi para a Universidade, ficando com apenas o equivalente ao nosso secundário;
  • O primeiro filme com base neste livro foi lançado em set/1966 mas só chegou a Portugal mais de um ano depois com o título "Grau de Destruição";
  • Está para estrear brevemente em Portugal um novo filme baseado neste livro. Intitulado de Fahrenheit 451 conta com Michael B. Jordan (Black Panter) e Michael Shannon (A Forma da Água) nos papéis principais. Podem ver o trailer aqui.
Publicado em 27 Junho 2018

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