Lobos que Foram Homens - Artigo no NiT
Foi em 1999 que os Moonspell fizeram a sua primeira digressão na América latina e voltaram de lá com histórias incríveis para contar. Agora estão todas escritas na biografia oficial do grupo, “Lobos que Foram Homens”, que é lançada esta sexta-feira, 2 de março, mais de 25 anos depois do início da banda.
Estavam no México, onde iam tocar numa pequena cidade. O problema é que aquela sala de espetáculos não tinha as mínimas condições técnicas para atuarem — não era aquilo que estava acordado.
“Começavam a tocar e o quadro elétrico disparava”, conta à NiT o autor da biografia, Ricardo S. Amorim, especialista na área da música pesada e que acompanha os Moonspell há vários anos.
“Mas o promotor queria que eles tocassem à mesma e estava a ameaçar ficar com os passaportes deles. O que os salvou foi que a agente local, ao pegar nos passaportes, pôs o do Mike [baterista] em cima, e ele nasceu na América.”
O organizador do evento achou que era melhor ideia desistir da ameaça e deixou-os ir. Os Moonspell puseram-se a caminho da Cidade do México, onde iam tocar no dia seguinte, “num autocarro tipo Rede Expressos”.
O problema foi o caos que deixaram para trás. Furiosos com o cancelamento do concerto, os fãs de heavy metal partiram e viraram carros, causaram pequenos incêndios e “atiraram garrafas à cabeça do promotor”. “Começou ali um motim.” O mexicano que organizava o evento ainda foi armado atrás deles até à capital do país, mas não os chegou a encontrar.
Esta não é a única aventura pelas Américas que conta o livro, que é uma edição da Saída de Emergência. Tem 448 páginas, com várias fotografias, histórias inéditas, e entrevistas com os membros e ex-membros da banda, agentes, responsáveis por editoras, músicos de outras bandas e pessoas do meio que os acompanharam neste percurso que os tornou uma das bandas portuguesas mais internacionais de sempre.
Está à venda por 17,70€ e as apresentações oficiais estão marcadas para 17 de março, pelas 16 horas, na Fnac do Centro Colombo, em Lisboa, com José Luís Peixoto; e para 7 de abril, também às 16 horas, na Fnac de Santa Catarina, no Porto, com Álvaro Costa.
Nessa mesma tour, no final do século XX, os Moonspell passaram por experiências muito diferentes no Chile e na Colômbia.
“No Chile foram recebidos de limusine e ficaram no segundo melhor hotel de Santiago [do Chile, a capital], com um pedido de desculpas porque não podiam ficar no primeiro.” Só não lá ficaram hospedados porque estava a decorrer uma cimeira com os líderes dos países das Américas — os Moonspell aterraram ao lado do Air Force One, o avião oficial do presidente dos EUA, no aeroporto.
“Ficaram totalmente surpreendidos porque o circuito de metal ainda não era muito grande na América do Sul, mas foram recebidos por milhares de pessoas nos concertos.”
Já na Colômbia, passaram por Medellín — a mítica cidade de Pablo Escobar, não assim tantos depois da sua morte —, onde perceberam que as coisas ainda eram meio geridas pelos cartéis. “Viam homens armados em todo o lado, mas não eram da polícia. Acompanhavam-nos nos recintos, pelas ruas, eles sabiam que havia ali qualquer coisa estranha.”
A primeira tour de todas dos Moonspell foi bem mais modesta em termos de condições, mas percorreu vários países da Europa, em mais de 60 concertos. Tinham acabado de lançar o álbum de estreia, “Wolfheart”, em 1995.
“Eles chegaram a Dortmund, na Alemanha, onde ficava a editora deles na altura. Deram-lhes a chave de uma carrinha e um mapa e disseram: desenrasquem-se.” A primeira data era na Escócia, apenas dois dias depois, mas eles conseguiram lá chegar.
Na altura, tinham idades entre os 18 e os 21 anos, e estavam a abrir para os icónicos Morbid Angel. “Foi assim que fizeram a tourné inteira. Só falharam uma data, em Itália, porque a sala de espetáculos tinha mudado, eles perderam-se e deram um toque com a carrinha nalgum lado. Eles dizem que foi o momento em que deixaram de ser um projeto e se tornaram realmente numa banda. Foi a tropa deles, deixaram de ser meninos e passaram a ser homens.” Ou homens que se tornaram lobos na indústria musical — recorde a entrevista que a NiT fez com a banda no Inferno, o seu estúdio em Olival Basto.
Ricardo S. Amorim foi convidado para escrever a biografia numa viagem bem mais simples com a banda, entre o Porto e Lisboa, depois de ter estado a apresentar um projeto da revista especializada “Loud!” no programa “Portugal 3.0”, da RTP, conduzido por Álvaro Costa. A ideia inicial da editora até era que fosse o frontman Fernando Ribeiro a escrever o livro, mas a banda preferiu que fosse outra pessoa, que tivesse uma perspetiva mais distante.
O autor de “Lobos que foram Homens” diz que a alcateia dos Moonspell é como “uma família tradicional portuguesa”. “Estão juntos em todos os momentos: jantam juntos, gravam juntos, ficam no mesmo apartamento, um cozinha para todos, outro lava a loiça. São mesmo unidos.”