Nero - Crítica no blogue As Leituras do Corvo

Depois de longos anos de exílio por ter desafiado a autoridade de Cláudio, Lúcio Aneu Séneca regressa a Roma para servir de tutor ao jovem Domício, filho de um casamento anterior da mulher do César. As razões para a escolha de Agripina apenas a ela pertencem, mas Lúcio está disposto a moldar o jovem Domício segundo os melhores valores e a transmitir-lhe o máximo possível de conhecimento. Mas a intriga faz parte do quotidiano da cidade eterna e é impossível ter tranquilidade ou amor quando se está próximo do poder. Principalmente, se se estiver no centro dos planos de uma mãe ambiciosa. Agripina quer para o seu filho o mais glorioso futuro - e para si própria também. E, ao convencer Cláudio a adoptar o seu filho, Agripina está também a moldar um novo princeps e a preparar a ascensão ao poder do jovem que agora dá pelo nome de Nero. A todas as mudanças assiste Lúcio, sempre presente, fiel, acima de tudo, àquilo em que acredita para Roma. Mas a ascensão de Nero será também o início da sua queda.
Complexo e detalhado, quer na caracterização do cenário e da época em que decorre, quer na elaboração dos intrincados planos dos diferentes interesses em conflito, este é um livro que exige tempo e atenção da parte do leitor. A forte componente descritiva impõe à narrativa um ritmo pausado, para o que contribui também a vastidão de detalhes a assimilar. Não se trata, portanto, de um romance de leitura compulsiva, mas antes de uma narrativa em que, aos poucos, a complexidade do cenário se alia à complexidade das personagens para abrir ao leitor a história de duas vidas fascinantes.
Ainda que seja Nero a figura central deste livro, é Lúcio quem, ao longo de toda a narrativa, mais se destaca. Fascinante pelos valores e pela lealdade aos princípios que defende, Lúcio está, ainda assim, longe de ser uma figura constante e fechada à mudança. Muitos são, na verdade, os seus dilemas e as circunstâncias da sua vida - e da do seu discípulo - levam-no, por vezes, a ter de escolher entre o que julga correcto e o bem-estar da cidade e do homem a quem se dedicou acima de todas as coisas. A história de Lúcio é, no fundo, a de um homem cheio de esperanças, mesmo tendo consciência das agruras da realidade, e da forma como a luta por aquilo que defende define a sua tragédia pessoal. É ele o protagonista de vários dos momentos mais marcantes, nesta história em que intriga e crueldade se unem a consideráveis esforços para fazer de Roma um lugar melhor.
Intimamente ligado à vida de Lúcio está o percurso do próprio Nero. É na ligação entre estas duas vidas e na forma como esta torna mais vasta a complexidade das suas personalidades individuais que se revela a máxima mestria do autor na construção deste livro. Longe do infame louco, o Nero que o autor apresenta é imensamente humano. Egocêntrico, por vezes, cruel, nos seus piores momentos, mas igualmente capaz de grandes gestos e verdadeiramente disposto a dar o seu melhor a Roma. Para esse homem determinado, mas teimoso quanto aos seus grandes erros, Lúcio funciona como a voz da consciência possível. Em certa medida, Lúcio e Nero completam-se mutuamente e a forma como as suas histórias se conjugam, criando e destruindo ligações para culminar num final esperado, mas nem por isso menos marcante, que torna este livro tão fascinante.
Muito descritivo, mas sempre envolvente, este livro junta uma caracterização meticulosa da Roma de Nero e de várias das figuras centrais do seu tempo a uma história tão complexa e cativante como as personalidades dos seus protagonistas. O resultado é uma obra que, não sendo propriamente de leitura compulsiva, exerce, ainda assim, um constante fascínio por tudo o que de interessante tem para apresentar. Recomendo.

Publicado em 24 Setembro 2012

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