O Império Final - Crítica em Uma Biblioteca em Construção
O Império Final, primeiro livro da saga Mistborn - Nascida nas Brumas, consegue prender a leitura desde o início. Percebe-se imediatamente que esta é uma trama composta por mistérios, aventuras e intriga, afinal, as primeiras páginas apresentam-nos uma sociedade com um enorme fosso entre quem está no poder e quem serve, o que despoleta uma sentimento de revolta.
Brandon Sanderson, o autor, faz-nos apoiar a revolução que está a ser preparada, afinal, logo ao início, ficamos perante situações perturbadoras. Afinal, percebe-se que a sociedade do Império Final é dura e esclavagista. Ao acompanhar o sofrimento dos menos favorecidos, vemos com repulsa a forma como eles são tratados e sentimos aversão pela desumanização de humanos que, por nascerem skaa, são considerados abaixo de animais. Contudo, este aspecto acaba por remeter para a realidade, ao enaltecer factos como a discriminação e o uso do outro em benefício próprio.
As personagens que orientam e organizam esta revolta iminente são um dos fortes atrativos desta leitura. Vin acabou por ser uma das figuras que mais prendeu a minha atenção. Ela é uma ladra órfã que sempre viveu nas ruas da capital e, neste livro, passa por uma transformação. É fácil entender a personalidade desta rapariga que sempre teve que lutar para viver, que se sente abandonada e que esconde uma capacidade que não compreende. A sua história justifica aquilo em que se torna, por isso não é de estranhar que seja alguém que tem dificuldades em confiar, alguém que se esconde e teme ser o centro das atenções. Esta fraqueza faz gerar empatia, mas o reconhecimento que também é dotada de força faz acreditar que se pode tornar numa figura crucial.
Kelsier é o agente que faz despoletar as forças de Vin. A partir do primeiro encontro entre estas duas figuras, começam a surgir alterações na ladra que a levam a tornar-se numa rapariga crítica e mais receptiva. A relação ente Kelsier e Vin está bem construída e é baseada em pequenos passos que geram confiança. Mas o papel de Kelsier não se prende unicamente à ligação que tem com Vin. Mais do que tudo, ele é o responsável pela mudança, é um símbolo de esperança e de resistência. Confesso que a minha opinião sobre Kelsier não foi linear, pois nem sempre foi fácil entender as suas intenções e planos. Tinha sempre a sensação de que havia algo para além daquilo que era exposto. Contudo, esta personagem acabou por se revelar complexa e uma boa surpresa.
Quanto às personagens, quero ainda destacar Sazed e Elend. O primeiro conquistou-me pela bondade e lealdade que demonstrou em todos os momentos, mas principalmente por ser o único representante de um povo. Sazed pertence a uma nação que achei muito interessante e sobre o qual ansiava sempre saber mais. Já Elend é uma figura que mostra que existem elementos de certos grupos que fogem às características que lhes são esperadas. Ele é um jovem que questiona o que parece certo e que acaba por revelar uma coragem inesperada.
A noção de inimigo, ao início, é representada pelos nobres, senhores poderosos que usam o seu estatuto para abusarem dos menos favorecidos. A figura do Senhor Soberano não surge logo, mas parece estar sempre presente. Quando ele finalmente surge, é com intensidade que se percebe o porquê do clima de terror. Através de descrições que apelam às emoções, o autor consegue transmitir a força que é emanada do Senhor Soberano e, curiosamente, faz-nos sentir a dúvida e o medo dos skaas.
O ritmo da ação cresce gradualmente, até chegar a um ponto em que é difícil colocar o livro de parte. A execução do plano da rebelião, as dificuldades e obstáculos que vão surgindo e as reviravoltas prendem de tal forma que, a certo ponto, sentimos as alegrias e angústias das personagens. As revelações finais e os derradeiros confrontos foram uma verdadeira delícia. O enredo está muito bem construído, consegue surpreender mantendo a coerência. Gostei bastante da forma como o autor mostra que os mais pequenos podem fazer a diferença e que certas derrotas podem funcionar a favor de uma vitória maior..
Ao início fiquei um pouco reticente com a alomância, uma forma de magia que foi novidade para mim e que tem como base o uso de propriedades provenientes de metais, tais como o ferro, cobre, latão e ainda outros novos como o átio. Contudo, depois de explicado este conceito e de entender as muitas capacidades que esta arte mágica concede, acabei por deixar cair as minhas inquietações e fiquei rendida. Ao início, pode parecer que não vai ser fácil decorar as propriedades que cada metal fornece ou os nomes que são dados a cada utilizador, mas acabou por se tornar algo simples, natural, e rapidamente deixei de necessitar de consultar as notas das páginas finais.
Quero ainda deixar uma nota sobre esta edição. Antes de ter ficado conquistada pela trama, já estava completamente rendida à capa. A editora convidou Luís Melo para fazer a ilustração e o resultado final é muito superior às muitas capas que vi de outras edições. Adorei os elementos usados: a capa de nascido nas brumas que sugere movimento e prende o olhar, a figura feminina cujas características são fiéis à descrição de Vin, a grande cidade e as brumas que a envolvem. Uma excelente aposta.
Apesar de ser o primeiro volume de uma saga, O Império Final consegue chegar a uma conclusão e ainda deixar a história em aberto. Anseio pelo próximo volume e claro que recomendo esta leitura a todos os fãs de bons livros de fantasia.