O Problema de Espinosa - Crítica no Silêncios que Falam

Depois de retratar em romance a vida e obra dos filósofos Nietzsche e Schopenhauer, o mais recente livro de Irvin D. Yalom, publicado em 2012 nos Estados Unidos e em Portugal, é dedicado ao filósofo descendente de portugueses Bento (Baruch ou Benedictus) de Espinosa (1632-77), um dos mais controversos pensadores de sempre.

A génese deste livro esteve numa viagem que Irvin fez a Amesterdão, em 2007, onde visitou o Museu Espinosa, e dado que as ideias do filósofo sempre o intrigara, resolveu «escrever um romance acerca da sua vida interior», como refere no prólogo. Tentando manter-se o mais fiel possível aos acontecimentos históricos, o autor apoiou-se na sua formação profissional, como psiquiatra, para imaginar os mundos interiores dos protagonistas do livro: Espinosa e Alfred Rosenberg (1893-1946). O romance é tecido ao longo de 33 capítulos intercalados pelas duas épocas em que viveram cada um dos protagonistas: na Holanda do século XVII e na Estónia e Alemanha durante a primeira metade do século XX.

No ponto de partida da história Espinosa encontra-se com 23 anos e é um comerciante da comunidade judaico-portuguesa de Amesterdão. Dado as suas ideias serem opostas à da sua religião, como «os judeus não são os escolhidos de Deus; não são diferentes, de modo algum, de quaisquer outros povos», ele é duramente excomungado e afastado da cidade, da família e de todos os seus poucos amigos. Na solidão da sua existência modesta e plena de ataraxia, o jovem mas prolífico pensador, cioso da liberdade de pensamento que preza acima de tudo, escreve obras (como Ética) que anos mais tarde, após a sua morte, o elevarão como um dos mais importantes filósofos de todos os tempos.

Na outra senda da narrativa, acompanhamos a adolescência e formação de carácter de uma das personalidades mais detestáveis quando do Holocausto se se lembramos: Rosenberg, o político, editor e escritor antissemita, que foi conselheiro de Adolf Hitler. No romance (apenas na ficção) Rosenberg manda expropriar a biblioteca de Espinoza, durante a ocupação nazista na Holanda, por causa do «problema Espinosa», que o acompanha desde os seus tempos de liceu, e que é uma das causas porque faz análise com o seu médico psiquiatra.

A psiquiatria se aproxima bastante da filosofia. É a esta conclusão que podemos chegar quando acabamos de ler O Problema Espinosa (The Spinoza Problem, com tradução para português de João Henrique Pinto), uma espécie de “romance filosófico”. Neste quarto romance de Yalom, o conceituado psiquiatra transmite a ideia de que tudo, mesmo as emoções e os pensamentos, possuem uma causa. Este é um pensamento que Espinosa defendia acerrimamente e que, 300 anos mais tarde, um líder nazi, com elevado complexo de inferioridade e de aceitação, ao cometer actos de crueldade humana, tem que se lembrar, para sua própria cura. A escrita do autor de Mentiras no Divã é cativante e desenvolta como já é seu apanágio. De notar apenas que em algumas partes do livro, a informação biográfica dos protagonistas excede um pouco a quantidade que deveria ser normal para que não houvesse alguma saturação, na leitura. O Problema Espinosa é uma obra bem conseguida, contudo, dos quatro romances do autor, Quando Nietzsche Chorou e A Cura de Schopenhauer merecem uma leitura em primeiro lugar — para quem não os leu ainda.
Publicado em 24 Outubro 2014

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