Paula Veiga no Delas com a "Rainha Perfeitíssima"

Paula Veiga: “O que mais me surpreendeu na D. Leonor foi o seu legado”

Lisboa, 20/01/2017 - Paula Veiga, escritora e autora do livro A Rainha Perfeitíssima.
(Leonardo Negrão / Global Imagens)

 

“A Rainha Perfeitíssima” é o mais recente livro de Paula Veiga. Editado este mês pela Saída de Emergência, o romance histórico fala da vida de D. Leonor de Lencastre, mulher de D. João II, e também do seu legado para o país, muitas vezes esquecido. Esta é a terceira obra da advogada, nascida em Lisboa, em 1963, e que é uma apaixonada por História. Os livros que publicou até à data falam todos sobre uma Leonor. Uma “coincidência”, garante a escritora na entrevista que deu ao Delas.pt, onde, além da sua mais recente edição, fala também de outros dois projetos que ainda estão “na fase da gaveta”.

D. João II tem o cognome de príncipe perfeito e este livro intitula-se “A Rainha Perfeitíssima”, referindo-se à rainha, sua esposa, Leonor de Lencastre. O que tinha ela de especial, que a distinguiu das outras rainhas, porquê o “perfeitíssima”?
Eu julgo que ela é uma rainha perfeitíssima, porque é mais que perfeita…

Mais perfeita que D. João II?
Mais perfeita, sim. Ela foi uma rainha que nos deixou um legado extraordinário. Não só ao nível de construções de igrejas, de mosteiros, de hospitais, de misericórdias. Sempre trabalhou em prol dos desfavorecidos. A partir da morte do príncipe herdeiro, sobretudo, ela dedica-se quase em exclusivo aos desfavorecidos. De tal forma, que instituiu a primeira Misericórdia, a Misericórdia de Lisboa, e ao fim de um ano já havia várias Misericórdias a funcionar no país. Por isso é que acho que ela era perfeita. Era uma mulher fabulosa, culta, uma mecenas e que, de algum modo, patrocinou as artes e letras, em Portugal, nomeadamente, obras de Gil Vicente, mas também mandou traduzir e imprimir livros estrangeiros, como o livro de Marco Polo. Foi uma pessoa que deixou um legado extraordinário, embora tenha passado, muitas vezes, despercebida. O público, em geral, não se apercebe que tivemos uma rainha que fez tanto em prol de tanta gente.

Foi por isso que quis escrever sobre esta rainha?
Eu conhecia pouco sobre esta rainha, porque nem sequer sou licenciada em História, e, portanto, não tenho conhecimentos profundos sobre esta ou aquela matéria. Uma vez estava a fazer pesquisa, para um outro livro e para uma outra D. Leonor e “tropecei” no episódio da morte do príncipe herdeiro. E foi uma coisa que me sensibilizou e achei que valia a pena perceber como é que esta mãe teria reagido perante essa tragédia pessoal. E foi o que fiz. Fui investigar mais e mais. À medida que ia investigando comecei a apaixonar-me por ela, não havia muita coisa divulgada sobre ela e fiz aquilo que é a minha pequena homenagem, singela, à rainha D. Leonor de Lencastre, esta grande mulher, que acho que as pessoas deveriam conhecer um bocadinho mais.

O que é que mais a surpreendeu na pesquisa que fez sobre esta rainha?
O que mais me surpreendeu foi o seu legado. Muitas vezes associamo-la só ao hospital termal das Caldas da Rainha. Mas ela não fez só isso. Foram as Misericórdias, o hospital de Todos os Santos…Além do legado, surpreendeu-me também o facto de ser uma mulher super culta. Parece que traduzia o latim, o que não era muito normal mesmo para uma infanta. Depois, das poucas mulheres infantas portuguesas que tivemos – foram só duas, porque as outras eram todas estrangeiras – foi a que me marcou mais.

A que se devia o interesse dela pelos desfavorecidos e em particular pela saúde pública?
Eu presumo que ela era uma pessoa com consciência social. Quero pensar que assim era. Eu retrato uma D. Leonor bondosa, que se preocupa com o próximo e estou convencida, embora isso não se consiga, se calhar, aferir cinco séculos depois, que só uma pessoa com um grande coração é que iria investir quase toda a sua fortuna na construção desses hospitais, dessas Misericórdias. Porque ela queria que os mais desfavorecidos, os pobres, os doentes tivessem acesso independentemente da sua condição social. E eu acho isto extraordinário.

No livro, há partes escritas na primeira pessoa, na voz da rainha, e como se se tratasse de um diário. E outras em que o narrador observa os acontecimentos de fora e narra-os. Por que quis construir o livro desta maneira?

Suspeito que seja uma característica minha. Eu gosto de fazer a narração na primeira pessoa, mas nem sempre é possível e às vezes fica melhor ser um narrador externo. Num romance histórico, em que se retrata a vida de uma pessoa só, ou mais em concreto, acho que fica bem o narrador na primeira pessoa. E dá-me um certo gozo.

E como é que foi colocar-se na pele da rainha D. Leonor?
Foi engraçado, porque parece que temos de nos meter mesmo dentro da personagem. E depois temos de pensar com a cabeça de há 500 anos, que é uma tarefa quase impossível. E o gozo da coisa está aí, porque nós não podemos cometer gafes do tipo, “acendeu o interruptor” ou qualquer coisa do género. O desafio é mesmo pensar e agir como se estivéssemos naquela época.

Mas mesmo assim, a linguagem que usa é bastante aproximada em vários momentos da dos dias de hoje…

Sim, foi uma opção consciente. Se eu escrevesse ou falasse como há 500 anos, se calhar ninguém percebia. Uma coisa é embelezar o texto, outra coisa é escrever quase em português arcaico, que é difícil e requer conhecimentos que não tenho…

Referia-me ao tom informal.
Um toque de formalidade não fica mal, mas para o comum do leitor acho que deve ser mais acessível uma linguagem mais simples, menos enfeitada, por assim dizer.

Já tinha escrito sobre outras Leonor – em ‘Leonor, Imperatriz do Sacro Império Romano-Germânico’ e sobre a Leonor de Távora, em ‘O Medalhão da Marquesa’. Foi coincidência?
Sim, foi uma coincidência. Quando comecei a fazer pesquisa apaixonei-me pela D. Leonor, Imperatriz, porque foi uma pessoa que teve uma vida quase trágica do princípio ao fim, e foi uma mulher que teve de sair do seu reino e ir para um outro longínquo, com pessoas e uma corte completamente diferentes. De algum modo, era uma pessoa amargurada e teve de vencer várias batalhas e tragédias. E, provavelmente, retrata um pouco a vida daquelas mulheres naquela altura. Ela foi imperatriz e ninguém fala disso. Será que não é importante uma infanta portuguesa ter sido imperatriz? Eu acho que é.

E a outra Leonor?
A outra Leonor era a Marquesa de Távora, que foi envolvida no processo dos Távora, em que a família foi quase toda executada. Provavelmente, era uma senhora com um feitio irascível, mas também me deu um certo gozo incorporar essa personagem Muito diferente da primeira Leonor e diferente desta Leonor de Lencastre, uma época também completamente diferente, muito mais atual. Deu-me um certo gozo. Agora, porquê três Leonores? Não sei dizer, foi mesmo coincidência.

Como é que uma advogada passa a escrever romances históricos?
Embora eu tenha formação em direito e tenha sido advogada muitos anos numa grande construtora de Lisboa, desiludi-me um bocadinho com a minha profissão e como sempre fui apaixonada pela História, achei, a determinada altura, que devia fazer aquilo que me dava gozo e não aquilo que me trazia stress constante. E um dia achei que devia começar a escrever um livro e comecei. A partir daí nunca mais parei, porque isto depois também é um vício. Gosto, francamente, de escrever. Não sei muito bem de onde me vem este gosto pela escrita, mas uma pessoa que gosta de ler desde miúda… Provavelmente, uma coisa está relacionada com a outra. É muito giro ler muito, ler muitos romances históricos, mas é mais engraçado escrevê-los e criar as próprias personagens.

Atualmente consegue dedicar-se inteiramente à escrita?
Não, eu não me dedico inteiramente à escrita, mas suspendi a minha profissão temporariamente e por isso dediquei-me mais à escrita. E agora aproveito para escrever em tudo quanto é sítio, desde o autocarro à mesa do café. Todos os bocadinhos que tenho são para escrever.

E o romance histórico requer outro tempo, que é o tempo da investigação…
E que é a parte que eu gosto.

Qual é o seu método de pesquisa: ir para bibliotecas, consulta na internet?
Faço de tudo um pouco: bibliotecas públicas, bibliotecas privadas, internet, os livros de História tradicionais. Leio tudo aquilo que apanho, a que tenho acesso. Basicamente é isso.

Há algum livro que a tenha marcado particularmente?Quando me perguntam ‘qual é o livro da tua vida’, eu não consigo responder. São tantos, tantos, tantos…

E depende da fase da vida.
Exatamente, e depende da fase da vida. Na juventude lia os livros que todos os jovens leem, depois passei a ler tudo sobre a II Guerra Mundial, que é um período que também me atrai e sobre o qual já comecei a escrever. Numa outra fase, foram os romances históricos. Mas se me perguntar que livro li mais vezes na vida, eu digo-lhe já: foi ‘O Advogado do Diabo’, do Morris West. Quando não tenho nada de novo para ler, leio esse. Já devo ter lido seis ou sete vezes.

E o que é que a faz voltar a esse livro?
Não sei, é um fascínio que tenho por esse livro. É um tema engraçado, um padre que faz parte do Santo Ofício e vai interpretar um milagre para saber se a pessoa pode ser canonizada ou não. E depois é aquele jogo do é santo ou não é santo, do que é que é preciso para sê-lo, se era uma pessoa normal que tinha preocupações com os outros. Talvez seja esse jogo que me fascina.

E por que é que os romances históricos nos fascinam? Por que é que gostamos tanto de rainhas?
Porque as rainhas nunca foram faladas, sempre foram esquecidas. Porque a História só falava dos homens, nunca falava das mulheres. E acho que a nós mulheres cabe-nos revelar estas personagens que são fascinantes e que fizeram, provavelmente, a diferença na sua época. Julgo que é por isso. Eu escrevo sobre mulheres por isso.

Disse que estava a escrever sobre a II Guerra Mundial. É também sobre uma perspetiva feminina?
Sim, também é. Já escrevi dois livros que neste momento estão na “fase da gaveta” sobre a II Guerra Mundial. Um é sobre uma austríaca que se refugia em Portugal durante esse período. O outro que escrevi, imediatamente a seguir, é a perspetiva italiana da II Guerra Mundial. Fala-se pouco do lado que foi vencido e achei que era interessante desenvolver essa ideia.

E também este, mais uma vez, pelo lado feminino?
É sempre pelo feminino. A personagem principal é uma mulher.

Publicado em 7 Fevereiro 2017

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