Prisioneiros da Geografia opinião no DN
O especialista britânico em relações internacionais Tim Marshall considerou que o regresso a uma partilha equitativa dos recursos à escala global constitui a única forma de evitar novos conflitos em diversas regiões do mundo.
"Pode ser uma forma 'hippie' de ver o mundo, mas caso os recursos não sejam partilhados equitativamente, haverão sempre conflitos", referiu em declarações à Lusa o jornalista e investigador britânico, que se deslocou a Lisboa para apresentar o seu último livro "Prisioneiros da Geografia. Dez mapas que lhe revelam tudo o que precisa de saber sobre política internacional".
O ex-editor de diplomacia na Sky News, e antigo colaborador da BBC, com uma vasta experiência de reportagem em áreas de conflito, dos Balcãs ao Afeganistão e Médio Oriente, assinala a necessidade de encontrar "um sistema social e global que permita essa partilha", e quando já ocorreram progressos na redistribuição da riqueza ou nos cuidados de saúde à escala global, como assinala.
"Mas nos últimos anos, o ocidente parece não estar a partilhar como anteriormente, nem mesmo consigo próprio. Isso implica uma crise de confiança no nosso sistema, fomos muitos longe em direção a um sistema de capitalismo de rapina, agressivo. Temos de recuar. Os nacionalismos também fazem com que as pessoas se virem para si próprias".
As reportagens jornalísticas que efetuou em variadas regiões do mundo alertaram-no para a importância da geografia, que como refere de forma algo desafiadora, "molda a política mas também é uma prisão".
E indica um exemplo prático, a Rússia.
"Se os seus portos congelam no inverno, e caso se veja a si própria como uma potência mundial, e sabendo que não se pode ser uma potência mundial sem uma marinha em portos de águas quentes que pode ser utilizada todo o ano, e se esse porto existe num país que subitamente cai na esfera de influência ocidental [Ucrânia], e se for considerado decisivo para a nação, é anexado. E a Rússia anexou [a Crimeia, onde se situa o seu porto de Sebastopol]. A geografia também influencia o processo de decisão", salientou.
Nos dez capítulos do livro "Prisioneiros da Geografia", da Editora Desassossego (chancela do grupo Saída de Emergência, 2017), percorre-se a Rússia, China, EUA, América Latina, Médio Oriente, África, Índia e Paquistão, Europa, Japão e Coreias com o autor a recorrer a mapas, ensaios, e à sua longa experiência de viagens.
Tim Marshall indica como referência e inspiração para este seu trabalho as conclusões do geógrafo norte-americano] Jared Diamond no seu livro "Guns, Germs and Steel", onde se revelam as tentativas de alterações de fronteiras em diversas regiões do mundo -- caso do Sudão, ou da região do Sahel -- onde os recursos naturais, como rios navegáveis, escasseiam, e que "tentam agora o seu sucesso".
"Em certo sentido, parte dos problemas do Sudão e do Darfur relacionaram-se com a desertificação do norte, que empurrou os povos dessas regiões para sul e entraram nos seus territórios, motivando um novo conflito".
O livro do fundador e editor do sítio da internet TheWhatandtheWhy.com, aborda desta forma os efeitos das alterações climáticas e que podem movimentar populações. "É verdade que parte do território do Bangladesh pode ficar inundado e são 180 milhões de pessoas, para onde vão?", questionou.
A disputa em torno dos recursos aquíferos, também com a ajuda de mapas, merece uma análise cuidada, da Índia à Turquia, neste caso com a perspetiva de uma guerra com os vizinhos do sul, Iraque e Síria, em torno das águas do rio Eufrates. "Se [os turcos] não concordarem em partilhá-la haverá grandes problemas", disse.
As consequências de um eventual recuo da camada de gelo na disputada região do Ártico também merecem particular atenção, numa zona de imensos recursos naturais e de novas rotas marítimas mais rápidas e menos onerosas, onde já decorrem situações de pré-conflito. Sempre com a geografia em consideração.
"Se pretendermos aprender alguma coisa, temos de olhar para a história de um país, para os seus líderes políticos, as suas personalidades e ideias. Mas o que também deve ser sempre observado é a geografia", observou.