Terrarium opinião de Nuno Ferreira
O romance em mosaicos de João Barreiros e Luís Filipe Silva, rotulado como o melhor livro português de Ficção Científica, é um exemplo claro de que temos escritores nacionais de qualidade elevada, subestimados pelo seu próprio mercado. Rico em vocabulário, extremamente visual e com um ritmo invulgarmente veloz para um tomo deste tamanho, Terrarium deixou de ser um tesouro de alfarrabista. Não li a versão original, mas esta edição da Saída de Emergência é um verdadeiro tesouro no mercado. Quase 600 páginas e três semanas depois, chego ao fim deste livro maravilhoso.
Imprescindível a quem gostar de FC, Terrarium apresenta-nos dois escritores com estilos distintos que conseguiram encaixar na perfeição. O que não seria tarefa fácil. João Barreiros é um escritor único, dono de um estilo inconfundível, enérgico, mordaz, usando o humor como motor e o ridículo como artifício. Luís Filipe Silva é senhor de uma prosa mais temperada, assaz competente, mas sem margem para dúvidas bem mais calma que a do seu companheiro de escrita. Aqui e ali, é possível distinguir na perfeição qual deles escreveu o quê. Quem emerge na leitura, porém, acaba por ver essas paredes diluídas no entrosamento geral da obra. Se, porventura, só um deles tivesse escrito Terrarium, o resultado não teria sido tão bom. Quando um agitou as águas, o outro moderou-as. O casamento resultou na perfeição.
A história é digna de uma graphic novel. Quando lia o livro, pensei mais do que uma vez que Terrarium merecia também uma versão em quadradinhos (e quanto gostei que o livro terminasse com uma pequena BD dedicada à Triste Judite), mas desde logo verifiquei que a magia de ler Terrarium está também na sua escrita. O vocabulário é riquíssimo e a escrita nunca perdeu o ritmo. Deliciei-me com os personagens, de Roy Bakker à Triste Judite, passando pela Clara de Sousa e o seu furão. E maravilhei-me também com as referências a nomes do cinema, da literatura, às pulps – que têm um significado imenso dentro da história. Terrarium é muito mais do que a batalha campal e a história cheia de sumo e protagonistas que Silva e Barreiros nos ofereceram. A magia de Terrarium passa muito pelo imaginário construído que nos remete aos “Flash Gordon da nossa infância”, pela ironia constante e pela desconstrução de clichés e de heróis tradicionais.
Não é, porém, um livro para todos. Bem, para já, é um livro enorme e com letras pequenas. E os termos. Ah… os termos. Quem lê João Barreiros já tem de estar precavido para a chuva de termos técnicos, científicos e futuristas que se confundem numa amálgama provavelmente ininteligível para os virgens na matéria. Provavelmente ininteligível, mas ainda assim apaixonante. Todos os fãs de FC têm de ler Terrarium. E se são novatos nisto, é para investigar, conhecer, mastigar e deglutinar todas as informações que lhes são oferecidas.
As revelações sobre Mr. Lux, as Potestades e os IXytil pareceram-me permanentes, umas por cima das outras, como se o que um diz, o outro desdiz, até que as peças encaixem e cheguemos ao final apoteótico. Tudo o que supostamente seria o contexto inicial – quem é quem neste Universo enxameado de espécies – acaba por tornar-se a grande interrogação do livro. Somos atirados para o centro da ação com ela em movimento, e os autores espicaçam o leitor ao negar-nos a informação, fazendo finca-pé e gritando-nos aos ouvidos que, quem quiser compreender alguma coisa da história, tem de ler até ao fim. Pouco a pouco, todas as peças são disponibilizadas para que completemos o puzzle.
Estamos perante um romance em mosaicos, mosaicos esses que são pequenos contos com histórias isoladas que podem ser lidos em separado, mas quando avançamos para o coração da narrativa, elas complementam-se, respostas são fornecidas e a leitura de tudo o que ficou para trás é essencial para compreender o todo. Quando terminei a leitura, forcei-me a reler o Prólogo, e informações que me tinham entrado por um olho e saído pelo outro fizeram muito sentido. Terrarium não é somente um livro para ler. É para ler e reler. E tem um bónus: a edição é lindíssima.
Avaliação: 9/10