Três nomes do Horror: Dunsany, Machen e Lovecraft

Texto de José Manuel Lopes para o Fórum Fantástico 2007. Apresentação a 9/11

Gostaria de vos falar hoje de três autores em particular, todos eles relacionados com o terror ou com o horror, e, sobretudo, com o conto fantástico. Um deles é já sobejamente conhecido, H. P. Lovecraft. Sei que a Editora Saída de Emergência já publicou dois volumes de contos deste autor e que planeia mesmo publicar toda a sua obra literária. Assim, guardarei Lovecraft para o fim da minha breve apresentação, e começarei por falar de dois autores, não menos importantes, mas talvez menos conhecidos.

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O primeiro usa o nome de Lord Dunsany (nasceu no último quarteirão do século XIX e faleceu em 1957). O seu nome original, Edward John Moreton Drax Plunket, não é de igual modo sonante, e, como ele era o 18.º Barão de Dunsany, nome também de um castelo de família na Irlanda, passou a assinar os seus trabalhos como o seu título: Lord Dunsany. Ora, apesar de estar aparentado com a nobreza inglesa, Dunsany era também irlandês e católico. Estas suas raízes duplas talvez tenham estado na origem de ele nunca ter tido uma plena aceitação não só por parte dos ingleses, mas também de alguns intelectuais irlandeses, que viam nele uma pessoa distante e nada ligada às suas causas independentistas.

Ao contrário de outros autores, mas como muitos «cavalheiros» do seu tempo, Dunsany nunca teve que trabalhar, podendo dedicar-se plenamente aos seus interesses, nomeadamente ao jogo do cricket, à caça grossa e às viagens (em especial pela África e pelo Oriente), se bem como à escrita, é claro. Os seus êxitos literários começaram sobretudo em 1905, após a publicação do seu livro The Gods of Pegana. Tratava-se efectivamente de uma série de pequenos contos que, ao passarem-se numa terra inventada, Pegana, poderíamos incluir na Fantasia, e que, ao mostrar-se bastante original para a época, iria mais tarde influenciar autores como J. R. R. Tolkien, Ursula LeGuin, já para não mencionarmos H. P. Lovecraft. Mais tarde, em 1912, iria publicar The Book of Wonder e, em 1916, The Last Book of Wonder, ambos publicados num só volume pela Editora Saída de Emergência com o título geral O Livro do Deslumbramento. (A este respeito gostaria de fazer um parêntesis para mencionar que se trata da primeira edição deste autor em português). Nestes dois livros a sua escrita oscila entre a Fantasia, onde encontramos sobretudo uma grande influência do orientalismo da época, e uma certa ironia tipicamente inglesa que não receia, por vezes, um certo absurdo - um género literário que iria aparecer muito mais tardiamente. Para quem gosta de fantasia, nós recomendaríamos sem dúvida a leitura deste livro, onde o terror surge também, mas sobretudo sobre a forma do que geralmente designamos como «ironias do destino».

Mais tarde, já por volta dos anos 20 do século passado, Dunsany irá dedicar-se sobretudo ao teatro, mas sem nunca abandonar um certo pendor para o fantástico. É também por esta altura que ele começa a publicar alguns romances relacionados com temas tipicamente irlandeses. Outras curiosidades sobre este autor prendem-se com o facto de ele escrever quase sempre sentado em cima de um chapéu amachucado, que um visitante do seu castelo aí deixara, e ao facto também de ele nunca corrigir ou alterar o que escrevia. Assim, tal como eram escritos, esses mesmos textos eram mandados para a editora.

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Outro autor de que vos gostaria agora de falar é de Arthur Machen, um autor que nasceu no sul do País de Gales, uma zona cuja herança mítica, especialmente de origem celta atravessa quase todos os seus contos. Machen nasceu em meados do século XIX e morreu em 1947. Muito novo, mudou-se para Londres onde passou grande parte da sua vida. Em Londres, dedica-se para além da escrita, a traduções de certos clássicos da literatura francesa como o Heptameron de Margarida de Narrava e as Memórias do famoso Casanova.

Machen insere-se, sobretudo, no melhor que o conto fantástico vitoriano tem para nos oferecer e um dos seus grandes êxitos foi precisamente o conto «O Grande Deus Pã» que fornece o título à antologia de contos que a Saída de Emergência vos apresenta. Este conto, onde se encontra bem patente toda repressão sexual da época vitoriana, trata de uma mulher sedutora e demoníaca que parece estar ligada a antigos rituais de origem romana. De facto, a presença do Império Romano nos seus contos encontra-se bastante representada, tal como referências a rituais e a livros menos conhecidos da antiguidade. É de notar que Machen, logo no início do século XX ingressou na famosa Aurora Dourada e que se interessava pelo ocultismo e pelo exoterismo, algo que parece percorrer todos os seus contos, já para não mencionarmos uma certa desconfiança (no entanto fascinada) nos avanços e inovações da ciência, em particular da medicina, e de uma medicina a que se juntassem também as possibilidades regenerativas de alguns antigos conhecimentos pagãos. Muito dos contos deste autor também partem do pressuposto de que o que ele designa como «little people», (ou seja, não só um povo pequeno que teria habitado a Inglaterra antes da chegada dos povos mais conhecidos, mas também os gnomos, os elfos e as fadas) nunca teriam verdadeiramente deixado de existir, vivendo secreta e subterraneamente nas partes mais ermas e nas florestas mais recuadas de Inglaterra (uma ideia em que Arthur Conan Doyle parece acreditar). Uma certa tendência para o misticismo encontra-se também patente nos seus romances, como por exemplo em The Secret Glory (1922), em que um jovem aluno se começa a interessar e a explorar uma série de mitos relacionados com o Santo Graal.

Mais uma vez gostaria de chamar a atenção para o facto de que, ainda que o conto «O Grande Deus Pã» já tivesse sido anteriormente traduzido para português, o que presentemente vos sugerimos é uma tradução mais rigorosa e anotada, a que se seguem mais três contos nunca antes traduzidos para a nossa língua. Entre esses contos gostaria sobretudo de mencionar «O Povo Branco», onde a uma série de marcas orais e tradicionais (algumas bem conhecidas) se junta um certo substrato oculto e misterioso relacionado com cultos aparentemente demoníacos. É de notar que o terror em Machen se prende quase sempre com algo que jaz oculto, mesmo na mais familiar das realidades.

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Sobre H. P. Lovecraft, um autor bem mais conhecido do público português do que os dois outros que mencionei ultimamente, gostaria de vincar o facto de que, ao contrário por exemplo de Lord Dunsany, a vida não lhe foi fácil, pois teve que ganhá-la sobretudo como revisor literário, insistindo também em viver à custa dos contos que ia escrevendo e publicando em revistas de pulp-fiction, que lhe pagavam à palavra somas que hoje em dia nos pareceriam ridículas. Este autor, nascido no Estado de Rhode Island (Nova Inglaterra) em 1890, é quase contemporâneo dos outros dois que mencionei, se bem que tenha morrido muito mais cedo, em 1937. Contudo, Lovecraft nunca esconde a influência que esses dois outros autores tiveram na sua obra. Talvez que a influência inicial mais óbvia seja a de Lord Dunsany, a mesma que poderemos encontrar em muito dos seus contos dos anos 20, onde nos surge um mundo de fantasia e um estilo que revela um certo simbolismo tardio, se bem como um pendor para um certo Orientalismo. No entanto, em contos mais tardios, como por exemplo, «A Busca de Iranon» (publicado já na década de 30), poderemos verificar que essas mesmas influências se mantêm. De facto, muito desses contos, mais breves e com uma linguagem mais poética, funcionam muitas vezes como reflexões autobiográficas, em que um narrador confessa a sua desilusão perante um mundo cada vez mais desviado da arte e da beleza, e mais ligado a questões e ordem material. A influência de Machen também é notória em tudo o que em Lovecraft se prende com o oculto.

As primeiras traduções anotadas dos seus contos foram publicadas pela Saída de Emergência em 2005. Permitam-me mencionar que essas mesmas traduções foram o produto de um Clube de Tradução Literária que organizei com alunos meus, um ano antes, aqui na Universidade Lusófona, no contexto de um Licenciatura em Tradução e Interpretação. Ora, o gosto e o desafio de traduzir este autor ficou-nos desde essa altura, dando lugar a uma segunda antologia, publicada em 2007. Se no primeiro volume de Os Melhores Contos de H. P. Lovecraft nos concentrámos mais nos textos que se relacionavam com o mito de Cthulhu - esse deus com corpo de elefante e cabeça octopóide, que jaz nas profundezas do oceano -, no segundo volume tentámos focar contos igualmente interessantes mas menos conhecidos, alguns deles como «Os Sonhos na Casa da Bruxa» passados na mítica Arkham. Gostaria também de sublinhar que, para essa segunda antologia, o Fernando Ribeiro (aqui presente) traduziu também um dos contos, «A Música de Erich Zann».

Neste momento, estamos já a trabalhar numa terceira antologia. Nela, planeamos apresentar certas traduções novas e anotadas de textos mais conhecidos, como «O Modelo de Pickman», «Horror em Red Hook» e «As Ratazanas nas Paredes», mas tencionamos também, para além de uma série de contos mais breves, apresentar outros bastante conhecidos e traduzidos pela primeira vez, tais como «A Cor Vinda do Espaço» (que muito críticos assinalam como sendo um dos seus melhores contos), «A Casa Maldita» e «A Estranha Casa no Alto da Bruma». Iremos também apresentar um conto que nem sempre figura nas antologias mais comuns e que se intitula «Sob as Pirâmides». A razão para a omissão de tal conto deve-se talvez ao facto das pessoas pensarem que se trata de um conto escrito a meias com o famoso artista Harry Houdini. Ora, se neste conto Houdini é de facto o narrador, não há dúvida que todo o estilo e toda uma série de neologismos que ocorrem nesse texto (muitos deles com raízes gregas) são de facto de Lovecraft e não do famoso escapista.

Visto o tema da nossa mesa ser o horror, gostaria ainda de mencionar que em Lovecraft este adquire uma dimensão cósmica que não nos surge do mesmo modo nos autores que mencionei previamente. Contudo, toda a mitologia literária que ele criou, não cessou com a sua morte em 1937. De facto, um dos seus discípulos, August Derleth, grande responsável pela divulgação da sua obra, continuou, já nos finais dos anos 40 e anos 50, a escrever contos dentro da mesma temática. Mais recentemente, existe todo um número de autores de língua inglesa que continua a publicar contos baseados em temas recorrentes deste autor. É este o caso de uma antologia publicada em Nova Iorque, e 1990, que se intitula Lovecraft's Legacy, e que reúne contos de oito autores.

Sabendo que o interesse por essa mesma temática não se confina apenas a autores de língua inglesa, o editor Luís Corte Real decidiu também publicar uma antologia semelhante intitulada Sombras Sobre Lisboa, onde autores portugueses se pudessem debruçar nessa mesma temática, nacionalizando-a até certo ponto, ao colocar Lisboa no centro de toda uma série de acontecimentos lovecraftianos.

Publicado em 12 Novembro 2007

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