Um Mundo Otimista - Entrevista a David Anthony Durham

Um mundo otimista
Staffer’s Book Review por Justin Landon
 

Justin: Muito obrigado por ter aceite. Sou um grande fã desta série desde a publicação do primeiro volume Acacia: The War With the Mein [Acácia – Ventos do Norte e Acácia – Presságios de Inverno em Portugal] em 2007. Devo dizer que foi com esse livro que retornei ao fantástico. O que faz a fantasia por si enquanto escritor (e leitor) que a ficção histórica ou a ficção comercial e popular não fazem?

Durham: [...] O romance histórico e o romance fantástico fazem as mesmas coisas de muitas formas – daí gostar tanto dos dois géneros. Adoro ser transportado para épocas e lugares diferentes, com problemáticas e possibilidades únicas para cada cenário. É como observar as pessoas a lutar com os problemas que lhes são atirados – problemas com os quais eu não lidarei do mesmo modo na minha vida – e isso interessa-me muitíssimo.
O romance histórico parece fantástico para mim no sentido em que descreve um mundo que já não existe. Os cenários históricos podem parecer tão estrangeiros e esquisitos como um mundo construído de raiz. Aquilo por que as personagens passam no passado pode ser peculiar, maravilhosoe assustador. 

Dito isto, não há nada como elevar o fantástico a outro nível. Já li alguns livros de ficção histórica relacionados com a exploração no Ártico, por exemplo. Coisas muito interessantes. Mas nenhum desses livros se manteve tão vívido na minha memória como O Terror de Dan Simmons [também publicado pela SdE]. Toda a matéria histórica era muito lúgubre, mas colocar um monstruoso urso polar vingativo e mítico injetou algo inesquecível ao livro. 
Se George R. R. Martin tivesse optado por escrever ficção histórica cujos cenários fossem europeus, decerto que ele teria feito um trabalho notável, mas há algo muito fixe em criar uma terra com a sua própria geografia e história, nomes e tradições, onde realidades do nosso mundo embatem em dragões, mortos-vivos e gigantes. Funciona perfeitamente.

Justin: Em Acácia, Rialus, Hanish e Corinn encaixam em personagens com imperfeições. O que as torna interessantes?

Durham: Para mim tem que ver com o facto de serem muito reais e complexas. As pessoas são mais do que um conjunto de traços de caráter, e eu divirto-me a vê-las a combater consigo próprias à medida que constroem o seu futuro.
Corinn, por exemplo, faz algumas coisas diabólicas no decurso da saga. Ela não as faz por ser má, todavia. Ela não se veria dessa forma. A forma como ela age tem origem nas suas inseguranças, no seu desejo de controlar o seu destino como conseguir. Ela foi traída e abandonada já demasiadas vezes, tanto que aprendeu a confiar apenas em si mesma. É esse o âmago da sua personalidade. A maneira como isso se manifesta é através das coisas que faz – em todo o seu caminho até ao fim.
A fantasia foi o género que me ensinou a adorar ler. Nunca me esqueci disso, e queria reconhecê-lo ao escrever nesse género também. De certa forma foi como homenagear as origens.
Mas não é inteiramente consciente. Tive a ideia para a saga porque esta começou a progredir e a sussurrar-me ao ouvido. Queria outra grande história depois de Pride of Carthage, mas a história que me sussurrava ao ouvido não encaixava no mapa do mundo que eu tinha. Precisava de um novo mapa e de um novo mundo.


Justin: Não creio que alguém possa ler War With the Mein sem fazer ligações a Guerra dos Tronos de George R. R. Martin, particularmente em relação às crianças e às suas histórias. Mena e Arya,. Aliver e Robb, Dariel e Jon, Corinn e Sansa, Bran e Rickon perderam-se algures na narrativa (acredito que Martin os tenha perdido também). Curiosamente, este paradigma de quatro personagens provavelmente terá origem em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa [Crónicas de Nárnia]. Lembro-me de ter dito que não leu Martin antes de escrever War With the Mein. O que pensa que é tão atrativo neste esquema para os romancistas?

Durham: Sim, eu não tinha lido Martin antes de escrever Acacia: The War With the Mein. Se tivesse, teria feito algumas mudanças. Há algumas semelhanças no primeiro volume. Se tivesse lido Martin o meu livro teria sido menos parecido, não mais. 
As semelhanças com C. S. Lewis são curiosas também. O que eu pensava que estava a criar com os miúdos Akaran foi uma família baseada na família da minha mulher. Ela tem três irmãos, com as mesmas idades que os Akaran, cada um com algum traço neles inspirado. O irmão mais velho que foi precocemente encarregado de se responsabilizar por si mesmo – e muitas vezes sozinho. A irmã mais velha, com o seu quê de cosmopolitismo, um olho virado para a moda e uma elevada expectativa quanto ao potencial parceiro (fica com um príncipe no fim). Mena surgiu como uma versão da minha mulher: um pouco arrapazada quando era nova, com um feitio...
Felizmente, a minha mulher não é hábil com uma espada. E Dariel... bem, o meu cunhado não é exatamente um pirata, mas construiu uma jangada bem grande. Houve alguma coisa neles que inspirou o livro. É por isso que um livro é dedicado aos meus parentes, e outro à minha mulher e seus irmãos. 
Do que eu não tinha ideia que estava a fazer até muito mais tarde foi recriar um paradigma
de quatro irmãos muito similar às crianças nos livros de Lewis. Talvez isso seja subconsciente. Talvez eu inadvertidamente tenha encontrado os seus traços na família da minha mulher. Ou talvez haja algo fundamental sobre irmãos que Lewis tenha captado, e que estejamos a repetir desde então. 

Justin: Atira as crianças para o caos logo no início do romance. Alguns acabam por ter figuras parentais, outros não. Seria isso uma relação a ser explorada ou as coisas apenas calharam ser assim? 

Durham: A responsabilidade parental – sobretudo a paternal – é um grande tema nos meus livros. É um grande tema em todos os meus livros. Devo ter coisas por resolver comigo próprio. Que responsabilidade tem um pai ao educar os seus filhos sobre o mundo e para o mundo? Que horrores deveriam ser primeiro revelados pelos pais? De que coisas devemos defender os nossos filhos? Quanto da paternidade é um produto dos nossos genes, e quanto disso é determinado simplesmente pela qualidade das relações que as pessoas têm entre si – independentemente das ligações de sangue? Já ruminei muito sobre isso na minha vida. Creio que terei feito o mesmo na minha ficção. 

Justin: Qual é a sua personagem preferida? Aqui está uma pergunta terrivelmente genérica, mas eu pergunto porque a minha é Rialus Neptos. É a personagem mais fascinante na série para mim, até agora, e eu pergunto-me se terá um lugar especial para ele.

Durham: É muito bom ouvir dizer isso. Tenho um carinho especial pelo pobre Rialus. Não sei bem de onde ele veio. Pode ter começado por ser unicamente uma personagem cómica, mas não durou muito. Ele encarna medos e ambições e características que são falhas humanas fundamentais. Sei que tenho um pouco de Rialus em mim. Não o posso negar. Quem é que não se sente injustiçado? Quem é que não sente que deve mais do que aquilo que lhe é oferecido? Rialus sente-se dessa forma muitas vezes, e eu identifico-me com isso. Uma coisa engraçada sobre ele é que, no início – quando apenas vagueava através do caos – sentia que ele iria ser importante em toda a série. Ele teria um papel importante no final. E teve. Não tenho, apesar disso, nenhuma personagem preferida. Adoro a Mena em todas as suas faces: é uma miúda perspicaz, madre do culto avian de Maeben, princesa guerreira, condutora de dragões. 
Diverti-me muito a escrever as suas sequências de luta. Gostei de esfaquear Dariel uma e outra vez. Estou muito contente por Elya ter chegado até mim. Invejo os olhos de pedra de Barad. Passei bons momentos a escrever as cenas dos Sires vis e mesquinhos… Nãaaaa, não consigo escolher só um. 

Justin: Depois de comparar Mena à sua mulher, estou muito surpreendido que tenha conseguido escapar-se a dizer que é a sua preferida. A minha mulher olharia por cima do meu ombro enquanto escrevesse a minha resposta a isso. Verifico um otimismo ao longo da série. Sem revelar nada, embora me sinta tentado, porque decidiu contar uma história que está mais em linha com a fantasia de heróis intemporal, em vez das histórias niilistas ou cruas e sangrentas que se tornaram tão populares? (Para contextualizar: Joe Abercrombie, Richard Morgan, George R. R. Martin) 
Durham: Adoro esses tipos, por isso, independentemente da forma como sou diferente deles nunca seria uma crítica. Nalguns modos sinto uma fatia do seu ADN na minha escrita. Mas fico contente por encontrares otimismo na série. Há imensa coisa errada com o mundo acaciano – assim como há muita coisa errada com o nosso mundo – mas ultimamente só consigo investir em personagens que aspirem a tornar as coisas melhores. Isso pode signifi car inúmeras coisas. Por vezes torná-lo melhor para um grupo fá-lo pior para outros. Muitas vezes a melhor das intenções é distorcida antes ainda de se manifestar. Mas ainda assim, eles tentam. E em determinados momentos, alcançam sempre algo.
Publicado em 16 Junho 2015

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