Vida Roubada - Crítica no Livros a Doi2

Há livros difíceis de ler, por variadíssimas razões. Difícil de ler e difícil de formular uma opinião. Assim defino Vida Roubada.
 
Foi duro ao ponto de me levar demasiado tempo a ler, mas demorei porque senti a necessidade de o ir lendo aos poucos. Há tanta coisa a assimilar, que não podemos ler um número elevado de páginas de seguida.
Não é a escrita que o torna complexo, nem mesmo os vários narradores que vão intervindo, mas sim a sua brutalidade, a crueza como nos é apresentado.
 
Nunca coloquei o livro de lado, apenas demorei na leitura por ser uma distopia perturbadora quase ao nível de "1984" de George Orwell.
 
Vida Roubada não nos é de maneira nenhuma indiferente. E é aí a grande valência do autor, Adam Johnson consegue agarrar-nos, perturbar-nos, arrepiar-nos até. Existem passagens no livro que parecem perfeitamente inimagináveis de tal forma, que chegamos a pensar  que o autor não pode estar a escrever aquilo que imaginamos.
 
É um livro que aconselho a ler, mas não a qualquer um. Há que ter estômago, muito estômago e quem pegar no livro por causa das palavras "história de amor" na sinopse esqueça. Beleza? Amor? Esqueçam é muito ténue.
 
A obra está dividida em duas partes bastante distintas. No início a personagem principal é-nos apresentado, Pak Jun Do ou um "John Doe" Norte Coreano, entra na nossa vida literalmente tal somos absorvidos pela história. Jun Do não é extravagante em qualquer maneira, é um personagem extremamente cinzento mas que nos cativa do principio ao fim e nesta primeira fase temos um vislumbre da sua infância, bem como o acompanhamos nas primeiras missões. Devo dizer que a parte que mais me interessou na obra, são os momentos passados pelo protagonista no barco pesqueiro. Quando Jun Do começa a abrir os olhos.
 
Na segunda parte há uma mudança completa, Jun Do assume uma nova identidade e aqui a história passa a ser contada por três narradores, o próprio protagonista, um interrogador e a propaganda transmitida pelos megafones que obrigatoriamente habitam a vida dos cidadãos da Coreia do Norte.
 
E é nesta propaganda, que o autor volta a acertar bem fundo, visto que começamos a ganhar um enorme asco a cada momento em que o megafone começa a falar. Há que sempre louvar um autor que nos consegue transmitir sentimento pelas palavras que escreve.
 
Mas nem tudo é perfeito, e apesar de haver momentos brilhantes do confronto Capitalismo vs Comunismo, a obra é altamente tendenciosa não fosse ela escrita por um Americano.
 
Não defendo de maneira nenhuma uma sociedade  como a Norte Coreana, onde a liberdade e a individualidade são conceitos inexistentes. Mas é curioso ler algumas das passagens de Sun Moon, que na sua ignorância acaba por expor alguns dos podres da chamada sociedade ocidental.
 
A Coreia do Norte é o país mais fechado do mundo, passar-se-ão lá coisas que para nós, de cultura ocidental, serão perfeitamente aberrantes, mas o autor e há que frisar que escreveu a obra depois de uma visita ao país, visita essa extremamente sancionada e limitada, e com base em testemunhos de desertores, escreve sobre um país real, sobre um ditador real, mas não pode fazer mais do que criar o seu próprio mundo, com base em alguns factos, mas muita especulação, suposições e rumores. Johnson é Norte-Americano ou seja não é nem pode ser minimamente imparcial pois nasceu num país onde o grande inimigo ao longo de décadas foi o comunismo.
 
Assim, e há que frisar que a Coreia do Norte está e continuará fechada para o resto do mundo, e esta obra tem qualidade para ser premiada como foi, mas tem de ser lida com cuidado. É muito fácil acreditar naquilo que nos colocam à frente, mas o leitor tem de ter a noção, que aquilo que nos é apresentado, não é mais do que a imaginação do autor. E é aí, que eu considero que ele falha pois entusiasma-se no horror, no extremismo de situações, pois por mais opressão que haja, Johnson não dá lugar à normalidade da existência humana e por muito terrível que seja a vida na Coreia do Norte, essa normalidade tem de existir em algum momento, mesmo que opressiva. A entrevista dada pelo autor, e colocada no final do livro ajuda um pouco a explicar a via por ele tomada.
 
O grande erro, e é isso que me retrai na avaliação deste livro, é a utilização de um país real e de um ditador real, numa obra que terá de ser considerada ficção. Vida Roubada teria sido um livro muito melhor se não se colasse à Coreia do Norte, e criasse um país e uma sociedade fictícia, mesmo que em momentos apresentasse ao leitor pequenos indícios que era na Coreia do Norte e em Kim Jong Il, que se tinha baseado.
 
Falta subtileza, para que esta obra já de si muito boa, seja brilhante.
 
Nota (escala 1 a 10): 7
Publicado em 15 Outubro 2014

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